O jornal global anunciou o improvável: o peso argentino voltou a subir, os títulos públicos valorizaram e Javier Milei saiu das eleições de meio de mandato com o mercado aos seus pés. Por um instante, a Argentina pareceu respirar.
O país que vive entre crises e esperanças assistiu ao milagre econômico mais efêmero do mundo: o de fazer o humor do mercado mudar de lado em apenas 24 horas. Ao domingo.
Se essa manchete fosse um personagem, seria o Peso Argentino: frágil, sentimental e teimoso. Um velho dançarino que tropeça, cambaleia e, de repente, volta a dançar como se o tango pudesse salvar o país. De tempos em tempos, ele ganha um novo maestro.
Agora é Milei, que promete reformas, cortes e privatizações com a convicção de quem acredita que o caos se resolve com Excel e ideologia. O mercado, encantado com o espetáculo, aplaude de pé. Mas, como sempre, o entusiasmo dura pouco: o mesmo público que aplaude o ato de fé costuma abandonar o teatro quando chega a conta.
O Financial Times descreve esse enredo com serenidade britânica: “O peso e os títulos argentinos subiram após a vitória de Milei, que resgatou as reformas.” Traduzindo: os investidores voltaram a acreditar que há alguém disposto a obedecer às regras do capital global. Na prática, nada se resolveu — apenas o humor dos credores melhorou. A Argentina continua atolada em dívidas, inflação e desigualdade. Mas, para os mercados, o simples gesto de anunciar disciplina fiscal já é uma coreografia suficiente.
A metáfora do peso dançarino diz muito sobre a política latino-americana. O mercado não quer estabilidade; quer espetáculo. Ele se apaixona pela promessa de ordem, pela retórica do choque, pela coragem de quem diz “agora vai” — mesmo que nunca vá. E a Argentina, especialista em melodrama, sabe encenar como ninguém essa mistura de desespero e esperança.
Ainda assim, há algo de profundamente humano na história. O peso pode ser volátil, mas tem alma. Cada valorização, por efêmera que seja, carrega o desejo de um povo de recomeçar. A Argentina vive de fé e reinvenção: quando tudo parece perdido, surge um novo milagre, um novo plano, um novo presidente prometendo que, desta vez, será diferente. E o povo, cansado mas fiel, volta a acreditar.
O problema é que o tango da economia tem um compasso cruel. Quem dita o ritmo raramente é quem está no palco — é quem paga o ingresso. O peso dança, o mercado aplaude, os investidores lucram, e o público continua a viver com inflação de três dígitos e salários corroídos. É o tango da sobrevivência: bonito de ver, difícil de sustentar.
A Argentina não precisa de mais maestros de ocasião. Precisa de tempo, de confiança e de uma coreografia que não troque dignidade por aplausos. Até lá, o Peso continuará a dançar — tropeçando, renascendo e, contra todas as probabilidades, acreditando que um dia a música vai mudar.

Financial Times 28.out.2025

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