Depois de soar, longo e lancinante, o grito continuou na cabeça de todos como se não terminasse. Seguiu-se um segundo de silêncio que pareceu durar a eternidade, depois um burburinho difuso e incrédulo logo cresceu, anunciando o pânico. O emaranhado de corredores e desníveis do Grande Bazar era o cenário perfeito.

Maria Sabina não teve a certeza do que sentiu ao emergir o caos. Cada rosto que passava parecia-lhe carregar uma miríade de histórias desconhecidas e possibilidades infinitas, cada voz, uma melodia árida e cada passo mais uma pausa assíncrona na sinfonia urbana de Istambul.

Estava atrasada. um mar de humanidade dificultava-lhe o caminho. Seu coração batia no ritmo frenético dos transeuntes e nele, cada batida ecoando o mesmo nome.

No meio do caos a única coisa inteligente é ficar quieto, observar o movimento dos outros e procurar os detalhes.

Nas mãos de um homem que passou por ela, um conjunto de bonecas russas chamou sua atenção. Cada figura escondia outra por dentro, cada rosto sorridente pintado à mão revelava outro ainda menor. Maria Sabina viu-se naqueles rostos, cada camada sua escondendo outra, cada superfície polida dissimulando uma complexidade interna. Ela era todas elas, e ainda assim, nenhuma.

Do outro lado do imenso bazar, António agarrava o telefone com firmeza. O som distante do chamado à oração tinha desaparecido e agora a única realidade era a gritaria e a confusão que se instalou em todo o mercado. Como uma imagem anunciada o desatino geral refletia seu estado de espírito. Seria impossível encontrá-la, a busca frenética por harmonia continuava no meio ao caos em que há anos vivia.

Na foto a mulher dava a sua mão a uma criança, era a única imagem dela que lhe sobrava depois de tudo ter ardido anos atrás. Então na sua imaginação uma fotografia se formou. Ele também estendendo a sua mão a Maria Sabina, mas sem conseguir tocar-lhe.

O mercado, imensa filigrana cromática parecia desaparecer. Ele estava ali, rodopiando no meio do acontecimento que haveria de mudar tudo mas sua mente estava em outro lugar.