Cheguei a esta cidade como quem pisa o reflexo de um sonho antigo, mas é um futuro. Um futuro já passado.
São Paulo brilha, e sua luz devora as sombras, as engole sem piedade, como um sol tardio que nunca dorme. Têm brilhado mais altas as estrelas. Têm brilhado mais baixas. Têm brilhado mais doces. Têm brilhado mais ásperas. Têm brilhado mais dispersas, como se fugissem da opulência das lâmpadas e letreiros, procurando um refúgio entre os escombros do céu.
Sou um viajante, um Debret distópico, vindo de um tempo ainda sem nome. Caminho pelo minhocão como quem atravessa fendas do tempo, vestígios de eras superpostas. As placas que leio são de ontem, mas também de amanhã. Os edifícios cresceram em labirintos verticais, esquecendo o chão. A cidade se curva sobre si mesma, um organismo de vidro e fumaça, repleto de murmúrios que não dormem. Sob essa luz, as sombras são apenas intervalos entre letreiros, digitais e luminosos, projetados na carne da noite.
Nos becos e nos altos das torres, vejo os corpos que São Paulo gerou. Eles caminham em silêncio, sob um céu que já não lhes pertence. Onde estão as estrelas? Espalharam-se como cacos de vidro, dispersas entre satélites e fuligem, refletidas nos vidros dos prédios, multiplicadas em telas, repetidas em hologramas. Algumas persistem. Pequenas. Rebeldes. Têm brilhado mais distantes. Têm brilhado mais fracas. Têm brilhado mais lentas. Têm brilhado com uma paciência que a cidade desaprendeu.
E, no entanto, de algum ponto perdido entre os arranha-céus e os escombros da história, eu as vejo. Mais doces. Mais antigas. Resistindo à luz que as sufoca, à pressa que as esquece. São Paulo se refaz a cada noite, mas as estrelas, por mais apagadas, continuam sendo as mesmas. E eu, vindo de um futuro que talvez já tenha passado, proclamo: têm brilhado. Têm brilhado. Têm brilhado.
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