Há algo de perverso na maneira como tratamos o equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Durante décadas, o discurso empresarial pregou que funcionários felizes são mais produtivos, que o bem-estar melhora a criatividade e que pausas regulares evitam o burnout. No entanto, quando se trata de transformar essa teoria em prática, as empresas hesitam, os governos silenciam e os trabalhadores exaustos seguem em frente, muitas vezes convencidos de que pedir tempo é fraqueza.
Fernando Pessoa
“O tempo que se perde em ganhar dinheiro nunca se recupera.”
Nos Estados Unidos, o país que se orgulha de sua ética de trabalho quase puritana, a licença sabática ainda é um privilégio reservado a poucos. Em 2023, apenas 6% das empresas ofereciam essa opção, mesmo diante de evidências robustas de que períodos sabáticos reduzem a rotatividade e aumentam o desempenho a longo prazo. Em contraste, a Alemanha e a Dinamarca têm programas governamentais que incentivam intervalos prolongados para descanso e requalificação profissional. O resultado? Níveis mais altos de produtividade e menos problemas de saúde mental relacionados ao trabalho.
Mas o problema não está restrito à América corporativa.
No Japão, onde o fenômeno do karoshi (morte por excesso de trabalho) já gerou crises nacionais, as empresas começaram a oferecer “licenças para dormir” — dias pagos para recuperar o sono. Isso resolve o problema? Claro que não. Mas revela o quão profunda é a negação coletiva em reconhecer que o trabalho sem limites não é sinal de dedicação, mas de disfunção.
No Brasil, a mentalidade do “trabalhar até cair” persiste, especialmente em setores como finanças e tecnologia. Pergunte a qualquer analista de banco de investimento quantas semanas de férias tirou nos últimos três anos e a resposta virá acompanhada de um riso nervoso.
A ironia é que, onde há interesse econômico, há flexibilidade. Durante a fusão do UBS com o Credit Suisse, os executivos fizeram questão de garantir que manteriam suas políticas generosas de licença sabática para os funcionários seniores, enquanto milhares de outros trabalhadores eram demitidos. No setor de tecnologia, gigantes como Google e Microsoft oferecem períodos sabáticos para seus funcionários mais estratégicos, mas são as primeiras a cortar benefícios quando o mercado aperta.
O que falta para que o equilíbrio entre vida pessoal e profissional deixe de ser um luxo?
Vontade política e coragem corporativa. No Reino Unido, a adoção da semana de quatro dias por empresas-piloto resultou em aumento da produtividade e maior retenção de talentos. O mesmo ocorreu na Islândia, onde testes mostraram que reduzir a carga horária não apenas melhora o desempenho, mas reduz drasticamente as licenças médicas e os pedidos de demissão.
A questão, portanto, não é se devemos repensar a forma como trabalhamos. É por que continuamos a ignorar o óbvio. Se empresas e governos realmente acreditassem no que dizem sobre bem-estar e produtividade, a licença sabática, as semanas reduzidas e as pausas estratégicas seriam direitos, e não concessões raras. Mas enquanto isso não acontece, a ilusão persiste: descansar continua sendo visto como um privilégio — até que o corpo e a mente cobrem a conta.

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