A frase atingiu-me como uma profecia. Como se já estivesse escrita antes, desmontando a velha ilusão de que a poesia habita um território reservado aos escolhidos.
“A poesia é prática cotidiana, não é um refúgio de sábios.”
Lucas Guimarães
Ela não mora no Olimpo, mas na esquina de uma rua qualquer, na espera do ônibus, no silêncio incômodo do supermercado. A poesia não é templo, é atravessamento. E justamente por isso, talvez nunca tenha sido tão necessária.
Vivemos tempos em que a linguagem corre o risco de ser sequestrada por algoritmos e discursos prontos. A velocidade com que falamos e escrevemos — quase sempre em função de produzir ou reagir — ameaça o espaço da escuta. É aí que a poesia se torna insubstituível: ela nos obriga a parar, a enxergar de novo, a lembrar que o essencial não se esgota na utilidade. Ler um poema é recuperar a pausa, esse bem escasso do mundo contemporâneo.
É enganoso pensar a poesia como luxo. Não há nada mais prático do que as palavras certas ditas no momento preciso. São versos que acendem coragem em contextos de opressão, que recordam o amor quando tudo parece ruir, que devolvem humanidade a quem se sente invisível. A poesia não serve apenas para os livros: ela aparece nas canções que cantamos distraídos, nas expressões que herdamos da família, nos detalhes do cotidiano que ganham significado novo quando nomeados.
Em um tempo que celebra a velocidade e a produção incessante, a poesia insiste em outro ritmo.
É claro que há quem ainda prefira tratá-la como refúgio de sábios, reduto de erudição inacessível. Mas isso é desviar os olhos do óbvio: a poesia sempre esteve nas ruas. Dos cantadores repentistas do sertão aos slams das periferias, do fado português às ladainhas africanas, a força do poema não depende de academia, mas da capacidade de falar ao corpo coletivo. O verso é a respiração da experiência partilhada.
Em um tempo que celebra a velocidade e a produção incessante, a poesia insiste em outro ritmo. Não se curva à lógica do “like”, não se mede em cliques, não se apressa em chegar. Sua utilidade está justamente em recusar-se a ser mercadoria imediata. É um gesto de resistência, porque nos lembra que nem tudo pode ser convertido em valor de troca.
Talvez por isso a poesia seja política, mesmo quando não quer. Ela abre espaço para enxergar o que está fora da ordem, para dar voz ao que não cabe no cálculo. E essa abertura — feita de metáforas, imagens e ritmos — devolve ao mundo um sentido que o pragmatismo insiste em apagar.
Lucas tem razão: poesia não é refúgio. É prática. É corpo. É cotidiano. É a insistência da palavra em nos lembrar que viver não é apenas sobreviver, mas também encontrar beleza no banal. Quem ignora isso não apenas perde versos: perde a chance de escutar a si mesmo.

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