Como ver anjos

Falámos do tempo dos sonhos e de voar e eu precisava de voar e vocês nem me conheciam.

Pego nestas assas que me deram, ponho-as nas costas, vou levantar voo aqui à vossa frente e nenhum REM me vai fazer deixar de acreditar que esta noite foi mesmo uma experiência religiosa.

A Madalena é um anjo inesperado na minha vida e é a ela que devo este dia, como sempre lhe deverei o som da voz extraordinária com que pontua o caminho das mãos no corpo.

A minha mãe, que agora já sabe que é verdade, disse-me, num dia que recordo como se fosse este, que quando os anjos nos recebem em casa algo de extraordinário está para acontecer.

Talvez tenha sido só por causa do dia de hoje que há alguns anos aprendi num livro, grego e apócrifo – tanta tragédia só para um livro – “como ser anjo”

Li-o com a atenção necessária e com vontade de aprender. Ser anjo afinal pode tornar-se um trabalho a tempo inteiro.

Fiquei um especialista. Aprendi que os anjos que ficam no céu são os mais antigos e preguiçosos, têm asas pequenas e ganharam vícios de mandar, de organizar escalas de serviço, turnos de guarda e outras coisas aborrecidas.

Os anjos da terra são os mais interessantes: vão à vida da gente quando fazem falta.

Conheci uns quantos esta noite. Alguns acho que ainda não sabem que são. Eram uns 8. Oito e meio como naquele filme italiano onde a criatividade foge para dentro de si própria sem ninguém saber.

Senti-me em casa. A falar de sonhos e de anjos, de astros e sexos, de filhos, de Legos, de voos rasantes e sem regresso, do carrousel mágico do cordão de prata.

Lisboa é que é a cidade dos anjos.


Discover more from José Manuel Diogo

Subscribe to get the latest posts sent to your email.


Comentários

Tem opinião sobre isto?

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

o homem de lá e de cá ®