Na próxima sexta-feira, 27 de setembro, às 21h15, quem estiver na Casa da Cidadania da Língua, em Coimbra, terá a chance de se fazer essa pergunta enquanto assiste à peça “Caim”, baseada no último romance de José Saramago. A peça, que tem como protagonista Henri Pagnoncelli, é uma oportunidade única de presenciar uma história que transcende o tempo e toca nas feridas mais profundas da humanidade. Ao ver Caim no palco, o público será confrontado com dilemas antigos, mas estranhamente familiares: o conflito entre irmãos, o ressentimento, a culpa e a busca por respostas que talvez nunca venham.
O que o público verá não é apenas a recriação de um mito bíblico. “Caim” levanta questões atemporais que se aplicam a todos nós. E se estivermos, de alguma forma, repetindo os passos de Caim? E se o conflito entre nós mesmos, nossos irmãos e até nossa relação com Deus for algo que carregamos dentro de cada um de nós? O que significa viver com essa marca?
Caim, na versão de Saramago, é muito mais do que o primeiro assassino da Bíblia. Ele é o retrato do ser humano em luta constante contra seu destino, contra Deus e, acima de tudo, contra si mesmo. No palco, essa jornada é transformada em um monólogo poderoso, onde a dor, a dúvida e a revolta de Caim se misturam com questões que qualquer espectador pode reconhecer: se existe um Deus, por que ele permite tanto sofrimento?
A peça nos convida a questionar nossas crenças mais profundas. O ato de Caim, de matar seu irmão Abel, é o símbolo de um rompimento com o divino, mas também de uma falha essencial nas relações humanas. O ressentimento e a inveja são temas que atravessam séculos e ressoam ainda hoje. E Caim, vagando pelo mundo, representa todos nós – perdidos em busca de respostas para nossas angústias mais profundas.
Um Espelho para o Presente
“Caim”, com a direção precisa de Jacyan Castilho, não trata apenas do passado. Ao assistir à peça, o público será confrontado com questões tão contemporâneas quanto antigas: o uso do poder para oprimir, a manipulação religiosa, as injustiças sociais e os conflitos que nascem do preconceito. Saramago, com sua ironia característica, nos faz olhar para o mundo de hoje através dos olhos de Caim, e o que vemos não é tão diferente do que ele enfrentou. A violência entre irmãos, seja entre indivíduos ou entre nações, continua a manchar a história humana.
Ao longo do monólogo, Caim nos desafia a refletir sobre a condição humana. Estamos presos num ciclo eterno de violência, ressentimento e culpa? Somos todos, de certa forma, Caim, lutando para encontrar sentido em um mundo que frequentemente parece indiferente à nossa dor? A peça sugere que sim, e nos deixa com a sensação desconfortável de que, enquanto humanidade, ainda não aprendemos as lições que deveríamos ter aprendido há milênios.
Assistir a “Caim” na Casa da Cidadania da Língua é mais do que uma experiência teatral – é uma reflexão profunda sobre o papel da palavra e da arte em nossa sociedade. A peça, que faz parte das celebrações do centenário de Saramago, encontra no espaço de Coimbra o ambiente perfeito para essa meditação sobre a condição humana e nossa relação com o divino.
Saramago escrevia para desassossegar, e “Caim” é, sem dúvida, uma obra que incomoda e provoca. A Casa da Cidadania da Língua, com seu compromisso de celebrar o poder transformador da língua portuguesa, oferece o palco ideal para esse encontro entre o público e o gênio de Saramago. O espaço, dedicado ao diálogo e à cultura, é o cenário perfeito para um texto que transcende as barreiras do tempo e nos convida a refletir sobre o que significa ser humano.
Em tempos de crises e incertezas, “Caim” é uma obra que nos faz encarar nossas próprias falhas e buscar, talvez, algum sentido em meio ao caos. Não é uma peça fácil, mas é exatamente isso que a torna indispensável. Para quem busca mais do que um espetáculo, mas uma verdadeira imersão na complexidade da alma humana, “Caim” é imperdível.
Então, e se Caim fosse você?
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