A inteligência artificial promete leveza, mas exige peso. Por trás de cada frase gerada por uma IA, há toneladas de aço, torres de resfriamento, gigawatts de energia e silêncios geopolíticos.
A revolução digital que parecia flutuar acima das nossas cabeças assenta, na verdade, sobre alicerces tão físicos quanto uma usina nuclear. E esse é o paradoxo central do novo ciclo tecnológico: a promessa de imaterialidade depende, mais do que nunca, de uma infraestrutura que desafia os limites ambientais e energéticos do planeta.
Na França, o projeto de transformar o país em potência europeia de data centers revela com precisão esse dilema. Só os investimentos apresentados no último “Choose France” preveem entre 10 e 14 gigawatts de potência elétrica extra para alimentar os servidores que darão vida à inteligência artificial. Para efeito de comparação: um reator nuclear do tipo EPR gera cerca de 1,6 gigawatt. Ou seja, estamos falando de uma demanda que equivale à produção de até nove reatores. Isso em um contexto em que a transição energética já enfrenta obstáculos de custo, infraestrutura e aceitação social.
“A nuvem não está no céu, está nos cabos.”
Jean-Michel Besnier
Essa corrida ao gigantismo tecnológico tem lógica econômica e geopolítica. A IA precisa de poder computacional crescente para treinar modelos mais potentes, e os países que hospedam essa infraestrutura ganham posição estratégica na cadeia de valor digital. No entanto, o preço dessa ambição começa a ficar visível: desequilíbrio nas redes elétricas locais, conflitos com usos industriais, e o risco de comprometer os compromissos de descarbonização. A nuvem pesa — e cada expansão de servidores desloca outras prioridades energéticas.
Há, é verdade, quem veja nessa tendência uma oportunidade. O setor de data centers promete empregos locais, investimento estrangeiro e aceleração digital. Mas o número de postos criados é limitado e nem sempre corresponde ao entusiasmo político. Pior: ao atrair gigantes internacionais, países como a França podem se tornar reféns de exigências técnicas e fiscais que enfraquecem sua soberania energética.
O maior perigo, porém, talvez seja cultural. Ao naturalizar que a inteligência artificial é o destino inevitável da sociedade, disfarçamos os custos dessa escolha. Pouco se debate se queremos mesmo esse futuro — e muito se gasta para sustentá-lo. No fim das contas, talvez o nome “nuvem” seja o mais enganoso da história recente: ela não flutua, não é leve, nem vem do céu. Ela nasce debaixo da terra, alimenta-se de eletricidade e cresce na sombra de decisões que não passam pelo crivo democrático.
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