Há dias em que o sol bate de um jeito estranho. De uma estranha forma. Numa nova vida.
Não é que seja diferente — é o mesmo de sempre. O mesmo sol que acendia os verões da infância na Figueira da Foz, o mesmo que faiscava sobre as águas do Mondego, o mesmo que desaparecia lentamente atrás das falésias da Nazaré. A luz é a mesma, juro. O que muda é o chão debaixo dos pés.
Agora, quando olho para ele, estou em São Paulo.
E isso confunde. Porque é o mesmo sol — e não é. Não escorre pelas pedras dos muros, escorre por janelas espelhadas. Não acaricia pinheiros mansos, mas estala sobre o concreto duro. Não cheira a maresia, cheira a asfalto quente.
Fico ali parado, muitas vezes no terraço do prédio onde moro, olhando esse sol que não me reconhece. Ou talvez reconheça demais. Porque há uma dor estranha em ver o que é familiar deslocado. É como encontrar um velho amigo numa língua que já não falamos.
Em certos dias, o sol pousa sobre os prédios como se fossem falésias. E por um instante, minha cabeça recua para outra latitude. Vejo minha mãe a estender lençóis ao vento, meu pai sentado na varanda com os olhos semicerrados. O cheiro de sardinha do São Pedro em Avó , o riso de um verão português. Tudo isso, sob o mesmo sol que agora ilumina uma cidade impossível de ver inteira.
São Paulo é generosa. Mas não é minha. Ainda não. Ou talvez seja, de um modo novo. Talvez pertença a quem a observa com esse espanto de estrangeiro — alguém que se perde nas esquinas e se encontra nos gestos.
E o sol, ah, o sol… continua ali.
Imóvel às vezes. Imenso sempre.
O mesmo sol de antes.
O mesmo — e ainda assim, tão outro.
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