Tem nome de manchete e rosto de indecisão. É o nerd da crise elétrica: homem do século XXI que tenta salvar o futuro com fórmulas do século XX.
Ele usa camisa azul-clara e gravata encardida. Nunca sorri nas fotografias. Está sempre a caminho de uma conferência, com a pasta repleta de gráficos e a testa coberta de suor.
Ele não tem partido, mas está sempre entre o poder e o colapso. É quem hoje carimba com timidez o racionamento elétrico nos Países Baixos, pedindo desculpas ao crescimento económico por lhe cortar a luz.
Essa personagem, nascida de uma manchete aparentemente técnica, carrega em si a tragédia da transição energética quando feita sem sistema. A notícia fala de quase 12 mil empresas holandesas impedidas de se ligar à rede elétrica, não por falta de energia, mas por falta de infraestrutura. É a vitória do ideal sem o concreto. A eletrificação avança mais rápido que a política, mais rápido que a engenharia, mais rápido que a justiça. Há painéis solares nos telhados, mas não há fios nos postes. A utopia verde bateu de frente com a realidade castanha dos cabos, subestações e décadas de negligência regulatória.
O nerd da crise elétrica, figura quase trágica, tenta remendar um mapa antigo com fita adesiva. Teme admitir que a promessa de transição energética para todos nunca foi acompanhada de um plano robusto de democratização da rede.
Essa personagem, aparentemente inofensiva, não é exclusiva da Holanda. Ela ronda Portugal, paira sobre o Brasil, circula pelas reuniões climáticas em Genebra e Bruxelas. Onde houver governos tecnocráticos,
Enquanto isso, os hospitais esperam, as startups cancelam planos de expansão e os carros elétricos se acumulam, imobilizados, como monumentos à boa intenção desgovernada.
Mas há quem veja no caos uma oportunidade. O texto menciona que parte da nova rede será financiada por investidores privados, com contratos que favorecem empresas capazes de pagar menos por usar energia em horários de menor demanda. O técnico assina esses acordos com mãos trêmulas. Ele sabe que não está apenas vendendo energia: está institucionalizando a escassez programada. O que deveria ser um bem comum vira privilégio tarifado.
Em meio a isso, surgem campanhas para a “consciência energética” e anúncios pedindo que se carreguem bicicletas só entre 9 e 18 horas. O técnico sorri aliviado: não por resolver o problema, mas por transformá-lo em comportamento individual. É a velha estratégia — transferir à população o fardo da falência sistêmica.
“Todos os sistemas, cedo ou tarde, encontram o seu curto-circuito.”

Essa personagem, aparentemente inofensiva, não é exclusiva da Holanda. Ela ronda Portugal, paira sobre o Brasil, circula pelas reuniões climáticas em Genebra e Bruxelas. Onde houver governos tecnocráticos, infraestrutura subfinanciada e sonhos elétricos maiores que a capacidade da rede, ele surgirá — sempre com um PowerPoint à mão.
A manchete no Financial Times do racionamento holandês é apenas o ensaio de uma peça maior. Não se trata de falta de energia, mas de falta de política com coragem. O técnico da crise elétrica continuará seu périplo, enquanto novas versões dele surgem em outras capitais: tentando manter a luz acesa, mas esquecendo de perguntar para quem.
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