Os dados que faltam

Geoffrey Hinton, um dos pais da inteligência artificial, afirmou recentemente que a tecnologia “vai tornar a maioria das pessoas mais pobres”. A frase circulou como presságio, mas não como análise. Falta o dado que a sustente. O que significa “maioria”? Sessenta por cento da população mundial? Oitenta? Em quanto tempo? Dez anos? Uma geração? O silêncio estatístico transforma uma advertência legítima em frase de efeito.

O que sabemos é que o impacto já está em curso. Um relatório da McKinsey projeta que até 2030 até 800 milhões de postos de trabalho poderão ser automatizados. O Fórum Econômico Mundial calcula que 85 milhões de empregos serão destruídos até 2025, ao mesmo tempo em que 97 milhões novos poderão surgir. O paradoxo está na qualidade: os empregos eliminados são massivos e de baixa remuneração, enquanto os criados exigem alta especialização. Não se trata apenas de números absolutos, mas de uma incompatibilidade estrutural entre quem perde o trabalho e quem poderá ocupá-lo.

Há também a questão da concentração de riqueza. As cinco maiores empresas de tecnologia dos EUA acumularam mais de 3 trilhões de dólares em valor de mercado apenas nos últimos dois anos. Enquanto isso, a Organização Internacional do Trabalho lembra que 60% da força de trabalho mundial não conta sequer com proteção social básica. Não é apenas a substituição de tarefas humanas por algoritmos que ameaça aumentar a desigualdade, mas a apropriação dos ganhos por uma minoria corporativa.

É verdade que a história oferece um contraponto. A Revolução Industrial destruiu profissões inteiras, mas criou novas indústrias, novas cidades e uma classe média em expansão. É possível imaginar que a digitalização repita esse ciclo com empregos em energia limpa, saúde personalizada, educação remota. Mas o ritmo é outro. A transição do campo para a fábrica levou séculos; a transição do humano para o algoritmo ocorre em ciclos trimestrais.

Ser responsável diante dessa realidade significa não se contentar com frases de impacto, mas exigir métricas claras. Quantos empregos correm risco em cada setor? Qual a taxa de reconversão profissional possível? Que mecanismos de proteção social estão em debate? Sem esses números, a política não regula, a imprensa não informa e a sociedade não se prepara. O futuro não é uma profecia, é uma equação. E, por enquanto, os que têm a caneta na mão se recusam a mostrar as contas.

Financial Times | 7 set 2025

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