A decisão dos Estados Unidos de se alinharem à Rússia e à China na ONU, abandonando a Ucrânia à própria sorte, pode ser o sinal mais claro de que Washington está renunciando ao papel de fiador da ordem global. Mas um vácuo de poder nunca permanece vazio por muito tempo. Se os EUA de fato recuam, a pergunta inevitável é: quem tomará seu lugar?
Henry Kissinger
“A supremacia dos Estados Unidos não será derrubada por um rival, mas por suas próprias contradições.”
Todas as evidências apontam para a China. Enquanto Washington hesita entre o isolacionismo e a intervenção, Pequim avança com estratégia e consistência. A Iniciativa do Cinturão e Rota já consolidou sua influência em dezenas de países, financiando infraestrutura e garantindo lealdades políticas.
No Pacífico, Pequim militariza ilhas, expande sua frota e desafia a hegemonia naval americana. Na América Latina e na África, substitui os EUA como principal parceiro comercial. E, na guerra da Ucrânia, evita sanções enquanto fornece tecnologia e apoio indireto à Rússia – sempre jogando para o longo prazo.
O erro estratégico dos Estados Unidos pode ser a crença de que sua superioridade ainda é inquestionável. Durante décadas, Washington ditou as regras do jogo global porque combinava poder militar, econômico e diplomático.
Mas a hesitação em sustentar aliados, o caos na política interna e a falta de uma estratégia clara para o século XXI estão minando essa posição. A China, por outro lado, não precisa derrotar os EUA em uma guerra tradicional para se tornar hegemônica – só precisa ser a opção mais confiável para o resto do mundo.
A Ucrânia é apenas o primeiro teste. Se os EUA abandonarem seus compromissos internacionais, será questão de tempo até que países da Ásia, do Oriente Médio e até mesmo da Europa se perguntem: vale a pena apostar em uma superpotência imprevisível quando há outra, mais estável e determinada, no horizonte?
Mas o que acontece quando os EUA abrem espaço no tabuleiro global? A resposta já está em curso. A China amplia sua influência econômica e militar, investindo em infraestrutura e expandindo sua presença diplomática em regiões antes dominadas pelos americanos. A Rússia, apesar das sanções, reforça sua posição no Oriente Médio, na África e na própria Ucrânia, onde o tempo parece jogar a seu favor. E a Europa, sem um escudo confiável, terá que decidir entre investir maciçamente em defesa ou aceitar uma acomodação tática com Moscou.
O risco para os Estados Unidos não é apenas perder prestígio internacional – é perder a capacidade de ditar as regras. Ao longo da história, as grandes potências caíram não porque foram derrotadas em batalha, mas porque permitiram que outras moldassem o mundo em seu lugar. A saída da Ucrânia pode ser apenas o primeiro movimento de uma retirada maior. E se os EUA não forem mais os fiadores da ordem global, quem estará pronto para assumir esse papel?
O declínio de impérios raramente acontece com estrondos. Normalmente, começa com pequenos sinais, decisões pontuais, afastamentos discretos. No fim, o que realmente define a mudança de poder não é a força bruta, mas a confiança. E hoje, cada recuo americano é um passo a mais para a China se tornar o centro gravitacional do mundo.

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