Talvez ela dobre o papel com precisão mecânica. O carimbo, sempre úmido e exato, repouse como se tivesse vida própria, esperando o toque firme de suas mãos. Na mesa, uma fila ordenada de processos, todos iguais, todos diferentes, cada um com uma história que se resume a números e assinaturas.
Há um café frio à direita, a caneta com o logo do ministério à esquerda, e entre esses dois pequenos universos, a pilha de burocracia que não cessa. Ela suspira. Ele repara. Olha para o relógio, mas o tempo não corre para quem carimba; ele pesa.
Numa pausa improvável, seus olhos escapam para a janela. Do lado de fora, o movimento das pessoas, os risos, os passos rápidos e distraídos. Há algo de caótico e belo na desordem do mundo real, pensa. Uma criança tropeça, levanta, segue. Um vendedor de flores sorri sem motivo aparente. Os carros buzinam em harmonia desafinada.
De volta ao papel, ela hesita. Ele sorri. Uma assinatura faltando, um detalhe que retorna o processo ao início do labirinto burocrático. A tinta do carimbo ameaça secar. É sempre assim, a pausa é breve, a máquina não para.
Mas, por um instante, ela pensa em abrir a janela. Ele é ar. Quem sabe deixá-lo entrar, respirar fundo, ouvir aquele som distante de liberdade.
— Vamos! Disse ela. Há papéis a preencher, carimbos a estalar.
Ele se ajeita na cadeira, a postura rígida, o olhar fixo no próximo documento. A pausa acabou de começar.
Tem opinião sobre isto?