Sentados à mesa do lendário Café A Brasileira de Lisboa, um estabelecimento que, por um capricho místico da literatura, reabria suas portas apenas nos dias em que a hora mudava para escritores discutirem sobre o tema, Jorge Amado e José Saramago adentravam o labirinto de suas argumentações, evocando personagens icônicos de suas obras.
O café, palco de encontros e desencontros literários, exalava nas entrelinhas de suas paredes e mesas as memórias de incontáveis histórias e conversas. Era, sem dúvida, o cenário perfeito para esse embate entre dois titãs da literatura de língua portuguesa.
Jorge Amado, com um sorriso maroto, disse: “Ah, Saramago, pense em Vadinho, aproveitando uma hora a mais de luz para ampliar seu reino de conquistas!”
Saramago, com um olhar reflexivo, respondeu: “Pois bem, Jorge, e o meticuloso Ricardo Reis, que veria seu mundo virado de cabeça para baixo com uma mudança repentina no relógio.”
Amado, pensativo, argumentou: “Mas e Antônio Balduíno, que enfrentava a escuridão do racismo e da opressão? Para ele, mudar a hora seria uma vitória simbólica.”
Saramago, com um sorriso irônico, rebateu: “Sim, mas o Sr. José, um homem tão apegado à rotina, certamente se desestabilizaria com qualquer alteração em seu horário.”
Por fim, Amado lembrou: “E quanto à destemida Tieta, protagonista do Agreste? Para ela, a mudança da hora seria apenas mais um desafio a ser superado com coragem e determinação.”
Enquanto os escritores debatiam, no meio de estrondo, Dom Quixote entrou no café montado em seu cavalo Rocinante, logo perseguido por Miguel de Cervantes, seu criador, que vociferava contra a mudança dos fusos.
Quixote, ao se aproximar dos escritores, entregou as rédeas de Rocinante a Saramago e, com um ar de urgência, pediu que lhe guardassem o cavalo enquanto ele ia ao banheiro
“Estou aflito!” – disse baixinho enquando recomendava aos dois escritores que, caso Cervantes aparecesse, não lhe revelassem o seu paradeiro.
“Tu hablas melhor canário de Lanzarote” – disse Quixote, confiante, colocando as rédeas nas mãos de Saramago.
O Português, com um brilho nos olhos, exclamou: “E a Gabriela, que, com seu cravo e canela, transformaria a mudança da hora em uma inusitada celebração do tempo!”
Amado, por sua vez, provocou-o de imediato. “Ah, mas não esqueçamos do elefante Salomão, que, na jornada através de terras desconhecidas, perceberia que o tempo é tão vasto e relativo quanto o próprio espaço.”
Apanhando-se sós, sem seus personagens, os três escritores entreolharam-se e, de imediato, perceberam a dádiva do destino.
Aproveitaram a oportunidade para fugir, os três, a bordo de uma charrete deixada perdida à porta e, foi puxados por Rocinante, que deslargaram a Brasileira deixando a conta para o desafortunado Quixote pagar.
O garçom, que se aproximava para cobrar, era ninguém menos que Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, testemunha silenciosa do embate literário.
Ao perceberem que estavam livres, os escritores riram entre si, satisfeitos com a grande fuga que acabavam de realizar. Galopando pela cidade com Rocinante, o trio parecia um encontro de gênios que transcendia o tempo e a lógica, unidos pelo amor à arte da escrita.
As ruas de Lisboa passavam velozes diante dos olhos dos escritores, enquanto a charrete deslizava por vielas e largos, levando-os cada vez mais longe do Café A Brasileira e da conta que haviam deixado para trás.
Em algum lugar, escondido nas sombras, Cervantes procurava Dom Quixote, sem saber que seu personagem já não estava mais ali. Enquanto isso, o próprio Quixote, ao retornar do banheiro, deparou-se com o cenário vazio e a conta a ser paga. Com um suspiro resignado, fitou Macunaíma e perguntou: “E agora, amigo? O que faremos com essa conta?”
Macunaíma, com seu jeito malandro e um sorriso de canto de boca, respondeu: “Não se preocupe, meu caro cavaleiro. Dizem que a literatura sempre dá um jeito de acertar as contas.”
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