Os Estados Unidos já não são os senhores absolutos da ordem mundial. Enquanto Washington se perde entre crises internas e retórica nacionalista, a Europa e o Sul Global começam a traçar caminhos próprios. E o mais irónico? Esse mundo novo está nascendo da ausência americana.
O mundo está mudando de eixo. Enquanto os Estados Unidos hesitam em sua liderança global e a China avança silenciosamente, a União Europeia busca um novo rumo e o Sul Global exige seu espaço. No meio desse rearranjo, Portugal — historicamente um pequeno país de grandes feitos — pode emergir como um elo fundamental na transição para uma nova ordem mundial multipolar.
A ilustração desta nova realidade não poderia ser mais simbólica: dois gigantes — EUA e China — carregam suas imensas cargas de poder e influência, navegando em direções incertas. Entre eles, uma pequena caravela portuguesa avança ágil, lembrando que a História não pertence apenas aos colossos, mas também àqueles que sabem navegar entre eles.
“A história não espera por ninguém, muito menos por impérios que se julgam eternos.”
A geopolítica é impiedosa com os vacilantes. A estratégia de decoupling dos EUA em relação à China, analisada por Stephen G. Brooks e Ben A. Vagle, pode acabar por isolar Washington mais do que enfraquecer Pequim. A China segue criando alternativas, a Rússia joga xadrez energético e a União Europeia, com suas hesitações, ainda tenta se reinventar. Mas o grande movimento tectônico ocorre no Sul Global, onde economias emergentes como Brasil, Índia e África do Sul já não aceitam um papel secundário no tabuleiro mundial.
O erro estratégico dos EUA é achar que podem se retirar sem consequências. Durante décadas, o Ocidente ditou as regras do jogo, mas agora o Sul Global se organiza, os BRICS se expandem e a União Europeia percebe que precisa de novos parceiros. Portugal, nesse cenário, surge como um elo privilegiado entre esses mundos. A lusofonia pode ser um canal de influência crucial, ligando Europa, América Latina e África num eixo econômico e cultural cada vez mais relevante.
Mas há quem aposte na nostalgia imperial americana. Há quem acredite que Washington retomará as rédeas, que o século XXI ainda será uma repetição do século XX. O problema é que os EUA já não têm mais o monopólio da inovação, nem da narrativa moral, nem do poder econômico absoluto. A política isolacionista de Trump, se confirmada, será um convite aberto para que outras potências redesenhem a ordem global — e a Europa, se esperta, deve aproveitar.
O Sul Global não quer esperar. A Europa não pode esperar. E o mundo, com seus novos equilíbrios, seguirá seu curso. Se os EUA não querem liderar, outros o farão.
Portugal no coração da mudança
Com a União Europeia sendo cada vez mais pressionada a encontrar novos aliados diante do afastamento dos EUA, Portugal pode desempenhar um papel crucial como ponte entre Bruxelas e o Sul Global.
No setor energético, Portugal já está investindo na transição verde e pode liderar parcerias entre a Europa e a África na exploração de energias renováveis, como o hidrogênio verde.
Na economia digital, Lisboa se tornou um polo de inovação e startups, atraindo empresas tecnológicas do Brasil e da África, criando um corredor de inovação lusófono.
Na diplomacia, Portugal tem tradição de neutralidade e diálogo, podendo intermediar negociações entre o Ocidente e países emergentes, fortalecendo sua relevância geopolítica.
“A glória está em ser pequeno e fazer grandes coisas.”
Fernando Pessoa
À medida que os EUA se retraem e a China amplia sua influência, Portugal pode capitalizar sua posição para expandir sua presença global:
Fortalecendo sua diplomacia econômica, negociando novos acordos comerciais que conectem Europa, América Latina e África.
Aproveitando sua localização geoestratégica, transformando-se em um porto-chave para o comércio atlântico no pós-globalização.
Criando um novo modelo de cooperação Sul-Sul, onde Portugal atue como articulador entre países emergentes e a União Europeia.
Há quem veja Portugal como um pequeno barco à deriva entre superpotências. Mas a história ensina que não é o tamanho do navio, mas a destreza do navegador que define o destino da viagem. Em um mundo que se reorganiza, Portugal tem tudo para ser o pequeno barco que guia os gigantes na tempestade.

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