A questão que ninguém ousou levantar no funeral de Charlie Kirk é simples: como pode uma sociedade procurar identidade política no lugar onde só deveria existir interpretação humanística?
A cerimônia em Phoenix, com Donald Trump abraçado pela viúva em lágrimas, converteu a dor privada em espetáculo coletivo. O estádio lotado, as camisetas com slogans e a música de rock cristão fizeram do luto uma performance política. A morte de Kirk foi narrada não como perda humana, mas como oportunidade para reforçar a guerra cultural. Naquele altar improvisado, a condição mortal deixou de unir para dividir.
A morte não é inimiga: é a condição da vida.
O mais inquietante é que esse processo não cria mártires novos, mas remove a humanidade dos já mortos. Kirk foi transformado em símbolo absoluto, apagando as ambiguidades da sua vida e até as contradições que existiam em suas posições. O jovem que o matou foi reduzido a inimigo da pátria antes mesmo de ser julgado. A coletividade, em vez de se reconhecer no limite humano da morte, buscou espelho para reafirmar identidade política.
Eis a antítese: a única voz que rompeu, ainda que brevemente, essa encenação foi a de Erika Kirk. Ao declarar que perdoava o assassino, ela lembrou que a morte só encontra sentido se devolve humanidade, não se a retira. Mas sua mensagem cristã foi abafada pelo rugido das palavras de ordem.
O silêncio que ficou no ar guarda a pergunta que ninguém fez . A política (americana) perdeu a capacidade de enxergar a morte como experiência humana universal. Quando o adeus se torna comício, ainda resta espaço para compaixão?
Uma sociedade que deixa de ver a morte como humana perde também a sua própria humanidade.

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