Um país que oferece leitura a quem entra na idade adulta escolhe plantar raízes em vez de prometer atalhos.
Livros não são presentes: são passaportes. Quando o governo português decide oferecer leitura a quem faz dezoito anos, está a colocar nas mãos de alguém não apenas um objeto cultural, mas um gesto de confiança — um rito silencioso de cidadania.
O Programa Cheque-livro, promovido pelo Ministério da Cultura de Portugal, talvez valha apenas 20 euros no papel. Mas simbolicamente, vale o mesmo que uma biblioteca inteira.
Por trás da simplicidade do gesto — um voucher digital, uma visita à livraria, a escolha de um livro — esconde-se uma política pública sofisticada. Em vez de distribuir panfletos ou estimular consumo rápido, o Estado oferece tempo, imaginação e conhecimento. Ao incentivar o jovem adulto a entrar numa livraria, confronta-o com a vastidão da linguagem e o convida a tomar decisões que exigem introspeção. Que título escolher? Que voz escutar? A resposta não se limita à prateleira: ela desenha uma linha invisível entre a autonomia cultural e a cidadania plena.
Iniciativas como essa são ainda mais louváveis num mundo em que algoritmos decidem o que lemos, e onde o consumo cultural se reduz a cliques impulsivos.
O cheque-livro quebra esse ciclo: impõe presença física, estimula a escuta interior, devolve ao leitor o poder da escolha lenta. É um antídoto contra o imediatismo e uma convocação para o que realmente importa — formar leitores críticos, capazes de reconhecer a manipulação, decifrar discursos e imaginar futuros alternativos.
Críticos poderão dizer que 20 euros não mudam nada. Que um livro só não forma leitor, e que os jovens preferem os ecrãs. Mas esse argumento só reforça a importância do gesto. Porque não se trata de mudar o mundo com um livro, mas de afirmar, perante cada jovem, que a leitura é um direito e uma possibilidade. É o Estado a dizer: “Confio em ti para escolher palavras.” É o contrário da infantilização. É um pacto.
Claro, o cheque-livro não pode ser a única política cultural. Não basta dar livros se as escolas não cultivam o prazer da leitura, se as bibliotecas públicas estão esquecidas, se os professores não têm tempo para sugerir autores nem as famílias espaço para discutir ideias. Mas o programa é uma semente. E se cada jovem português a plantar, poderá crescer nela uma biblioteca secreta — feita de páginas, sim, mas também de memória, coragem e pensamento.
Dar livros é uma forma de redistribuição simbólica. Não apenas de bens, mas de mundos. E quem lê sabe: nada é mais revolucionário do que ter um mundo inteiro escondido numa mochila.
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