(Um café discreto no Pelourinho, Salvador. O entardecer filtra a luz pelas janelas. A conversa acontece na mesa de canto, já avançando para o final da tarde.)
Ele: — Não entendo como você consegue. Fé e razão? Parece impossível conciliar.
Ela: — Você acha? Para mim, elas nunca foram opostas. Aliás, como poderia acreditar sem questionar primeiro?
Ele: — Mas fé é acreditar no que não se vê, não é? A razão pede provas. São mundos diferentes.
Ela: — E se a razão for o caminho para enxergar o invisível? Não estou falando de aceitar tudo sem pensar. Pelo contrário, acredito porque raciocinei. Questionei até entender.
Ele: — E o que você entendeu?
Ela: — Que a fé não é inimiga da dúvida. Só quem tem coragem de duvidar chega a acreditar de verdade.
Ele: — Parece tão simples quando você fala, mas… eu não vejo essa luz.
Ela: — Talvez você esteja olhando para o lado errado.
Ele: — E para onde eu deveria olhar?
Ela: — Para dentro. É lá que começa. Foi assim para mim.
Ele: — Mas você é diferente. Parece já saber o que eu estou tentando descobrir.
Ela: — Não sei tudo. Ninguém sabe. Mas entendi que a fé não é sobre certezas, é sobre caminhar, mesmo quando o caminho não está completamente claro.
Ele: — Então é isso? Andar no escuro?
Ela: — Não. É andar com a certeza de que, mesmo no escuro, há algo que guia. Mas é preciso pensar. A luz aparece para quem não tem medo de procurar.
Ele: — E você não teve medo?
Ela: — Tive. E ainda tenho às vezes. Mas é o medo que me lembra de continuar raciocinando.
Ele: — É engraçado… Estou aqui, discutindo tudo isso com você, mas sinto que nunca vou chegar a essa luz.
Ela: — Talvez você já esteja nela, só não percebeu ainda.
(Uma pausa. Ele olha para a janela, onde a luz dourada do entardecer começa a sumir. Algo nos olhos dela o faz pensar que talvez, só talvez, ela esteja certa.)
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