A Hora da França é uma ilusão de Macron?


Emmanuel Macron chegou a Portugal não apenas como presidente da França, mas como o líder que, no vácuo deixado por uma Alemanha hesitante, busca redefinir o papel da Europa no mundo. Sua visita, a primeira de um presidente francês ao país desde Jacques Chirac, carrega um simbolismo que vai além da diplomacia: reafirma a necessidade de uma União Europeia que pense e atue com autonomia, sem se submeter à lógica bipolar entre os Estados Unidos e a China.


A França não pode ser a França sem grandeza.

Charles de Gaulle


Emmanuel Macron quer fazer da França o motor da União Europeia. Essa ambição, evocando a nostalgia gaullista de uma Europa forte e independente, ganha novo fôlego em um cenário onde a Alemanha hesita, os Estados Unidos oscilam entre isolamento e intervencionismo, e a guerra na Ucrânia redefine as prioridades do continente. Mas será que essa visão corresponde à realidade?

A visita a Portugal, envolta em simbolismo, foi mais do que um ato diplomático. Foi uma tentativa de reafirmar o papel da França como liderança natural do bloco. Macron discursou sobre a necessidade de autonomia estratégica europeia, defendeu a independência militar em relação à OTAN e rejeitou a ideia de uma “vassalização feliz” aos EUA. O problema é que essa retórica esbarra em duas barreiras intransponíveis: a falta de consenso europeu e as limitações da própria França.

Primeiro, a União Europeia não está disposta a aceitar a hegemonia francesa sem questionamentos. A Alemanha, por mais reticente que esteja, continua sendo a maior potência econômica da UE e dificilmente abrirá mão de sua influência. Os países do Leste Europeu, cada vez mais alinhados com os EUA por razões de segurança, veem a OTAN como indispensável e não confiam na capacidade da Europa de se defender sozinha. O próprio Portugal, apesar do entusiasmo diplomático, sabe que sua posição estratégica no Atlântico depende mais da aliança transatlântica do que de qualquer projeto liderado por Paris, e que resiste também ao acordo entre Mercosul e União Europeia.

Depois, há a questão doméstica. A França de Macron está longe da estabilidade. As crises sociais, o crescimento da extrema-direita e a erosão de sua popularidade fazem do presidente um líder contestado em casa e limitado no exterior. Se a Europa precisa de um líder para conduzi-la a uma nova era, será que está disposta a seguir alguém cujo próprio país está à beira da implosão política?

O sonho de Macron de uma Europa forte, soberana e liderada pela França é sedutor, mas pode ser apenas isso: um sonho. A realidade, como sempre, é menos grandiosa. A França pode continuar exercendo influência, mas dificilmente se tornará o centro gravitacional da União Europeia. A era de De Gaulle ficou para trás, e a Europa do século 2XXI não aceita mais imperadores, apenas negociadores. Se Macron não entender isso, a sua hora pode passar antes mesmo de começar.


Le Monde 2.mar.2025

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