Em termos de ciber segurança, a Europa é um espaço desprotegido: tem a cabeça nas nuvens — e os pés em solo estrangeiro.
O alarme disparado por uma simples crise orçamentária nos EUA revelou o que muitos já sabiam e poucos falavam: a infraestrutura digital europeia depende das decisões políticas e fiscais de Washington.
Não se trata apenas de interdependência estratégica, mas de uma espécie de tutela tecnológica. Quem controla os dados, controla o presente; quem domina a infraestrutura, desenha o futuro. E neste futuro, o velho continente descobre-se sem mapa, sem bússola — e sem rede própria.
A notícia do Financial Times mostra como o congelamento de verbas de um programa norte-americano — o CISA — quase paralisou o sistema global de resposta a vulnerabilidades cibernéticas.
A consequência imediata: a Europa percebeu que o seu “sistema de segurança” não é seu. A criação apressada de um banco de vulnerabilidades europeu, anunciada no mês passado, soa mais como reação do que como estratégia. E, pior, levanta a pergunta que ninguém gosta de ouvir: será que a soberania digital europeia alguma vez existiu?
A resposta é desconfortável. Servidores hospedados nos EUA, nuvens sob legislação estrangeira, dependência de protocolos importados e ausência de arquitetura própria tornaram a União Europeia digitalmente vulnerável.
Essa vulnerabilidade é silenciosa, mas cara: inibe a inovação local, expõe a indústria a espionagem e enfraquece qualquer ambição de autonomia. Enquanto China e Estados Unidos avançam com projetos de controle total da infraestrutura digital, a Europa parece contentar-se em ser usuária— não proprietária — da sua própria segurança.
É verdade que os EUA oferecem robustez tecnológica e uma rede de proteção consolidada. Mas essa rede responde a interesses que não são europeus. Quando o Congresso americano ameaça cortar o orçamento do sistema global, a Europa assiste, impotente, a uma disputa que pode deixar seus dados à deriva. E quando o governo Trump esboça o fim de programas que protegem inclusive infraestruturas do outro lado do Atlântico, o que se expõe não é apenas uma falha — é uma ausência de comando.
O caminho adiante exige mais do que reações pontuais. Precisa de visão. De um pacto continental em torno de soberania digital, com investimentos pesados em infraestrutura própria, criptografia local, big techs europeias e uma regulação que seja também um projeto de poder. A independência tecnológica não se compra, constrói-se.
Porque se a resposta à pergunta do título não for simplesmente “não”, está perigosamente perto de ser.

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