Europa. E agora ? 


A União Europeia enfrenta seu maior dilema em décadas: manter-se como potência global ou tornar-se irrelevante diante da nova ordem mundial. Com os Estados Unidos se afastando e a Rússia avançando, a Europa precisava decidir se reagirá com unidade e força ou se continuará refém da sua própria fragmentação.


A Europa acordou para um mundo em que já não é protagonista. Os Estados Unidos, outrora seu maior aliado, agora agem como um adversário imprevisível. A guerra comercial iniciada por Trump, com tarifas punitivas contra produtos europeus, foi apenas o primeiro sinal. O ataque, porém, não é apenas econômico. A ruptura ideológica é ainda mais grave: a administração republicana já não compartilha os valores democráticos que durante décadas sustentaram a aliança transatlântica.


“Hoje, a história da Europa será escrita pela Europa, ou será escrita contra ela.”


O mais alarmante é que essa mudança não é episódica. A política externa americana tornou-se um jogo de força bruta, no qual só sobrevive quem consegue impor seus interesses sem concessões. O isolamento voluntário dos EUA nas instituições multilaterais, como a ONU e a OMS, expõe o desdém por qualquer forma de governança global compartilhada. E o discurso inflamado do vice-presidente J.D. Vance, atacando o modelo europeu de cooperação, apenas reforça a tese de que Washington considera a UE mais um obstáculo do que um parceiro estratégico.

Enquanto isso, a Rússia expande sua influência com a cumplicidade silenciosa de Trump. O ex-presidente americano negocia com Putin sobre a Ucrânia, ignorando Kiev e Bruxelas, como se o destino do continente pudesse ser decidido entre duas potências imperiais. O risco é óbvio: se os EUA deixarem de ser um contrapeso ao expansionismo russo, a Europa pode se tornar um campo de batalha geopolítico, sem autonomia suficiente para definir seu próprio futuro.

Diante desse cenário, a pergunta que se impõe é: o que a Europa pode fazer?

Unir-se ou ser engolida


A União Europeia, criada para impedir que o continente voltasse a ser palco de guerras e rivalidades nacionalistas, está à beira de uma escolha decisiva. Ou se torna um bloco verdadeiramente unido, capaz de agir como uma potência econômica e diplomática independente, ou se resigna a ser um conjunto de Estados vulneráveis às tempestades externas.

A resposta precisa ir além da retórica. A Europa tem instrumentos poderosos à sua disposição. Seu mercado é um dos mais regulados do mundo, e essa capacidade pode ser usada contra as big techs americanas e outras indústrias que hoje operam sob regras cada vez mais favoráveis nos EUA. A União pode ampliar sua liderança em áreas como inteligência artificial, tecnologia verde e segurança digital, reduzindo a dependência da inovação americana.

No campo diplomático, a UE deve deixar de ser uma mera espectadora dos movimentos globais. Precisa demonstrar que tem capacidade de mediar conflitos, como o da Ucrânia e o de Gaza, sem esperar pela chancela americana. E, no setor militar, deve finalmente acelerar a criação de uma política de defesa comum, que reduza sua vulnerabilidade à erosão da OTAN sob a influência do trumpismo.

A Europa já enfrentou momentos críticos antes. A crise financeira de 2008, o Brexit e a pandemia testaram seus limites, mas a UE sobreviveu e se fortaleceu. Agora, o desafio não é apenas econômico ou sanitário, mas existencial. Se continuar fragmentada, presa a disputas internas e hesitações estratégicas, poderá descobrir tarde demais que sua relevância no mundo foi reduzida a um capítulo de história.

O tempo para decidir está se esgotando. A Europa precisa deixar de reagir e começar a agir. O futuro ainda pode ser seu – se tiver coragem de reivindicá-lo.

José Manuel Diogo

A força motriz por trás da contra-ofensiva liberal na Europa tem sido uma reação contra a irresponsabilidade.

Jacques Delors
Editorial El País 16.02.25

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