Quando a próxima crise vier — e ela virá — não será anunciada por alarmes, nem provocada por bancos falindo em horário comercial. Virá silenciosa, algorítmica, travestida de normalidade, operando nas franjas do sistema. Não será preciso quebrar instituições: bastará não conseguir rastrear quem as move. E, quando procurarmos os culpados, descobriremos que estavam escondidos a céu aberto — nos fundos não bancários, nos mercados desregulados, nos fluxos que ninguém ousou interromper.
A manchete do Financial Times anuncia que Bruxelas está preparando para fazer um teste de estresse ao setor financeiro não bancário — hedge funds, fundos de pensão, firmas de crédito privado.
Podemos até dizer que o gesto é tardio, mas não há dúvida que é necessário, para compreender os riscos sistêmicos que esses atores representam. Mas por mais promissora que pareça a iniciativa, o que a notícia não diz é o que mais preocupa: quem vai pagatlr quando o risco se concretiza.
Desde 2008, o centro de gravidade do crédito europeu migrou silenciosamente dos bancos para o que os reguladores chamam de “NBFI” — non-bank financial intermediaries. Instituições que movimentam trilhões, emprestam com apetite, operam à sombra das regras tradicionais e que, em tempos de bonança, geram rentabilidade. Mas, quando a maré baixa — como mostrou a guerra na Ucrânia ou a alta dos juros — são os mesmos que despejam o caos no sistema.
O silêncio da reportagem é ensurdecedor sobre as pessoas. Fala-se de sistemas, fluxos, liquidez. Mas não há menção aos lares que perdem poupança, aos empregos corroídos por instabilidade, aos pequenos empresários que pagam juros exorbitantes porque o mercado “não confia”. A abstração do risco financeiro esconde seu impacto humano.
Os testes de estresse, ainda que sofisticados, têm um vício de origem: avaliam a capacidade do sistema de não colapsar. Mas não avaliam a sua capacidade de distribuir dano sem fazer barulho. O setor não bancário opera em velocidade e opacidade, alimentando a ilusão de que o dinheiro flui livre — quando na verdade apenas circunda regulações, evade responsabilidade e terceiriza impactos.
Enquanto isso, os reguladores falam em “eventuais riscos” com um léxico técnico que beira a abdicação ética. O que a notícia cala é justamente isso: a ausência de mecanismos democráticos para controlar os fluxos financeiros que moldam o mundo.
Um verdadeiro teste de estresse não deveria apenas medir o quanto o sistema aguenta. Deveria perguntar quem é que não aguenta mais.

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