A varanda das bandeiras

Há uma casa simples numa rua inclinada de subúrbio. O reboco gasto, o muro manchado, a varanda estreita. E, balançando no vento, três bandeiras: Brasil, Estados Unidos e Israel. Na legenda da foto, o sarcasmo: “A mansão do pobre de direita!”. A imagem é poderosa porque condensa uma contradição: a distância entre a aspiração política e a condição material.

Mas, o que vemos nessa imagem, que circula no Whatsapp— e que, por isso, não pode ser atribuída, nem verificada, não é apenas uma fachada, é sobretudo um manifesto.


A imagem que  o meu amigo Leandro Karnal me  enviou trazia uma questão apensa  “vai dar trabalho no futuro explicar isto“. Foi essa questão que inspirou essa crônica

Naquele balcão de cimento, o hipotético morador não pendurou cortinas, mas símbolos de pertença. E não escolheu qualquer símbolo: preferiu três bandeiras que, para ele, representariam força, fé e futuro.

É uma forma de dizer: “apesar do que falta na minha casa, eu sei de que lado estou no mundo”. A bandeira não é tecido — é armadura.

“Os símbolos governam o mundo, não as palavras nem as leis.”

Atribuída a Confúcio

Mas a ironia da foto funciona porque percebemos o descompasso. Como explicar que alguém sem acesso à prosperidade americana se agarre à bandeira dos Estados Unidos? Como entender que alguém sem parentes em Tel Aviv se identifique com Israel?

A resposta não está na geografia, mas na narrativa. Esses símbolos se tornaram âncoras de um discurso político que promete dignidade pela ordem, identidade pela fé, pertencimento por meio da aliança com potências. Não é sobre o que se tem — é sobre quem se quer ser.

O riso diante da imagem é fácil, quase automático. Mas talvez seja superficial. Pois aquilo que nos parece ridículo revela, na verdade, uma carência profunda: a necessidade de se agarrar a símbolos externos para preencher a ausência de um projeto interno.

A bandeira na varanda é um pedido de reconhecimento, uma tentativa de inscrever-se num imaginário de vitória mesmo quando a realidade ao redor diz derrota.

Talvez o futuro realmente ache difícil explicar esta cena. Mas o presente já nos obriga a entendê-la: entre a precariedade e a esperança, entre o cimento cru e o tecido colorido, mora uma lição sobre o poder da narrativa política.

Quem ri das bandeiras esquece sempre que ela tremula mais alto do que o telhado onde foi fincada.


Receber mais histórias de lá e de cá

insere o teu e-mail e carrega no botão “Subscrever”


Comentários

Tem opinião sobre isto?

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.