Mario, Amadeo & Guilhermina

Mário, ainda atordoado pela faísca de uma ideia revolucionária, bate à porta do ateliê de Amadeo. O som ecoa pelos corredores frios, e, para sua surpresa, quem atende é Guilhermina Suggia, com as mãos delicadamente pousadas sobre as cordas de seu violoncelo. Seus olhos, um misto de apreensão e serenidade, encontram os de Mário, que mal consegue formular uma frase.

— Acabei de ter uma ideia genial sobre Camões — ele balbucia, ainda tentando organizar seus pensamentos —, mas… Guilhermina, o que se passa aqui?

Ela sorri, mas é um sorriso com uma profundidade insondável. Mário percebe, naquele breve gesto, que algo mais está acontecendo entre aquelas paredes. O ar no ateliê de Amadeo parece carregado de intenções, de uma tensão invisível que envolve Guilhermina e algo não dito. No fundo do estúdio, escondido atrás de uma tela, Amadeo pinta freneticamente{, como se estivesse tentando capturar uma visão que desaparece com o passar do tempo.

— Amadeo e eu… — começa Guilhermina, hesitante. — Estamos… bom, estamos a trabalhar numa surpresa para os 500 anos de Camões.

Mário, ainda mais perplexo, entra no estúdio, sentindo-se como uma peça de um quebra-cabeça que desconhecia estar sendo montado. Ele olha ao redor, vendo as cores de Amadeo se fundindo com as notas que ainda vibram no ar. Era como se a própria essência de Camões estivesse presente ali, não apenas nas ideias, mas nas emoções.

— Uma surpresa? — ele pergunta, mais para si mesmo do que para eles. — E o que exatamente vocês dois… e nós três, no caso… estamos a preparar?

Guilhermina põe o arco de lado e se aproxima.

— Mário, a música e a arte sempre andaram lado a lado com a palavra. Camões sabia disso melhor do que ninguém. E agora… nós estamos unindo tudo. Amadeo, eu… e você.

O choque inicial de Mário transforma-se em excitação. Talvez não fosse apenas uma ideia genial que ele teve; talvez, de alguma forma, ele tivesse sido atraído para algo maior, algo que já estava em andamento. E, ao perceber isso, o plano começa a tomar forma, com a certeza de que os 500 anos de Camões seriam comemorados com uma obra que uniria música, arte e literatura de maneira inédita.

O que Mário não sabia — e Guilhermina tampouco — era que o próprio Camões, em espírito, os observava do além, satisfeito com o destino das suas palavras nas mãos de três dos maiores artistas que o tempo unira.


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