O que eu não disse a ninguém sobre a minha língua
É que ela me morde antes de me falar.
Que guarda silêncios entre as vogais,
onde o mundo antigo se esconde e dorme.
É que ela não nasceu comigo —
chegou de navio,
entrou-me pelos ossos,
e fez do meu peito um porto.
Nunca contei que minha língua arde.
Que nela há brasas de revolta,
e um sotaque escondido,
feito de exílios e promessas.
Que cada palavra que digo
vem com uma sombra —
de quem já foi calado.
O que eu não disse é que minha língua canta
mas também chora.
Que cada verbo nela é uma escolha entre mundos,
e cada substantivo um pedaço de chão
onde finquei raízes imaginárias.
Que é ao dizer “nós”
que descubro que não estou só.
Não contei a ninguém que minha língua me trai.
Que às vezes, farta de mim,
inventa sentidos que eu não previ.
Mas é com ela que amo,
que rezo, que escrevo,
e que, no fim, me reencontro
quando o mundo me dispersa.
Ela é minha e não é.
É herança, é cicatriz, é luz.
E embora ninguém saiba,
minha língua sou eu —
antes mesmo de ter nome.

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