Os Estados Unidos ainda são uma democracia ou apenas um simulacro de um sistema que já não se sustenta? O segundo mandato de Donald Trump não trouxe tanques às ruas, nem fechou jornais, mas transformou as regras do jogo: tribunais blindaram o presidente, o Congresso silenciou, e opositores aprenderam que contestar o poder pode custar caro. Steven Levitsky e Lucan A. Way chamam isso de autoritarismo competitivo — uma democracia de fachada onde a oposição existe, mas está sempre em desvantagem. O que define um regime não é apenas a presença de eleições, mas se elas ainda oferecem uma escolha real. E a pergunta que ninguém quer encarar é esta: os americanos ainda têm essa escolha?
“Não há nada mais traiçoeiro do que uma ordem política que morre sem alarde.”
Alexis de Tocqueville
Imagine que você acorda amanhã e descobre que seu banco bloqueou sua conta porque você fez uma doação ao partido errado. Ou que um jornalista de renome foi processado até a falência por reportar algo incômodo ao governo. Ou que seu chefe, que sempre se dizia apolítico, decidiu demitir funcionários que não jurassem lealdade ao presidente. Agora pare e pergunte-se: os Estados Unidos ainda são uma democracia?
O novo ensaio de Steven Levitsky e Lucan A. Way não deixa dúvidas: os EUA não estão a caminho de uma ditadura militar tradicional, mas sim de um regime onde a oposição é tão sufocada, tão intimidada, tão cerceada, que eleições deixam de ser um instrumento real de alternância de poder. Chamam isso de autoritarismo competitivo — uma democracia de fachada onde os juízes, os empresários e a mídia ainda existem, mas jogam com regras fraudulentas, sob a constante ameaça do poder.
Eis o dilema: a democracia americana não colapsou. Mas também não está viva da mesma forma que antes. Levitsky e Way alertam que o verdadeiro perigo não é Trump, mas a aceitação de que isso virou o normal. Que um presidente possa prometer perseguir adversários, aparelhar o governo e usar as instituições como armas políticas sem que haja uma reação proporcional. Afinal, se a imprensa silencia por medo, se empresas se curvam para manter contratos, se universidades podam seus próprios professores para evitar retaliações, de que adianta ainda haver eleições?
O colapso democrático já começou, só que não veio com tanques na rua. Veio com isenções fiscais para amigos e processos judiciais para críticos. Veio com leis que, sob pretexto de segurança, permitem ao governo definir quem pode ou não manter uma ONG. Veio com um sistema onde apenas um lado pode jogar livremente.
Levitsky e Way nos lembram que o autoritarismo não precisa abolir o Congresso — basta que ele seja um teatro. Ele não precisa fechar jornais — basta que sejam intimidados. Ele não precisa proibir a oposição — basta que as consequências de resistir sejam tão altas que poucos tenham coragem de tentar.
E, se for assim, quem terá coragem?
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