Porque a China está a contratar os melhores advogados do ocidente?

Quando os advogados das maiores firmas ocidentais passam a vestir o terno [fato] das “red circle firms” chinesas, não é apenas um emprego que muda — é o eixo da influência global que se desloca.

A elite jurídica da China está comprando know-how ocidental e vendendo futuro global. O recuo das grandes firmas anglo-americanas da Ásia é um sintoma da retração financeira internacional, mas também o prenúncio de uma nova era: o Império do Meio não quer mais só obedecer às regras — quer escrevê-las.

O movimento é claro: enquanto gigantes como Sidley Austin e Weil, Gotshal & Manges fecham portas em Hong Kong e Xangai, os chamados “red circle firms” — as big law chinesas — recrutam os sócios seniores que essas mesmas firmas dispensaram. Não se trata de um transplante de talentos, mas de uma transfusão estratégica. O sangue novo ocidental vem carregado de códigos, práticas e legitimidade global. E o custo? Um terço do que se pagava em Nova Iorque ou Londres. Eficiência pragmática com ambição imperial.

Ao contratar advogados do topo do mercado global, essas firmas não apenas expandem capacidades técnicas — elas emitem sinais. Sinais aos investidores de que falam a língua dos mercados; sinais aos clientes de que podem lidar com qualquer jurisdição; sinais ao mundo de que a China não depende mais da chancela estrangeira para operar com excelência. Como sublinha a advogada citada no Financial Times, “com uma firma chinesa, minha hora custa US$500 e isso me dá uma enorme vantagem”. Em um tempo de austeridade e guerras comerciais, a frase soa como um bordado de guerra: qualidade não precisa custar a hegemonia.

Mas há uma antítese silenciosa. Esse avanço chinês ocorre num contexto de redução de apetite internacional, insegurança jurídica e crescente vigilância estatal. O risco regulatório e geopolítico que afasta as big law ocidentais é o mesmo que pode limitar o alcance das firmas chinesas fora da Ásia. Afinal, um sistema jurídico que se projeta globalmente precisa mais do que competência — precisa de confiança.

E é aí que a jogada revela sua genialidade: ao absorver sócios de firmas internacionais, a China não apenas encurta distâncias técnicas — ela compra credibilidade. Com discrição, inteligência e custos otimizados, os “red circle” vão se tornando os novos senhores do jogo. Não é que o Ocidente tenha perdido o caso; é que a audiência agora será em Pequim.

Financial Times | 24.mar.2025


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