Stablecoin não é revolução — é necessidade para quem perdeu a fé no dinheiro de papel.
Nos debates sobre moedas digitais, o cidadão comum quase nunca é ouvido. A reportagem do Financial Times apresenta executivos, acadêmicos e reguladores discutindo os riscos sistêmicos, o enquadramento legal e as implicações fiscais das stablecoins. Mas o que escapa à moldura institucional é o verdadeiro drama que movimenta bilhões de dólares em tokens digitais: a fuga silenciosa da população mundial da moeda estatal falida.
Na Nigéria, no Brasil, na Venezuela, nas Filipinas, em partes da Argentina e do Vietnã, milhões de pessoas já vivem como se suas moedas nacionais fossem obsoletas.
Não é uma escolha ideológica nem tecnológica — é prática de sobrevivência. A inflação crônica, os bancos caros, os sistemas financeiros excludentes e os governos instáveis empurraram essas populações para os stablecoins. Não há tempo para teoria econômica quando a fila do pão precisa aceitar pagamento imediato.
Essa digitalização informal da moeda não é utopia libertária, é improviso global. O pequeno comerciante que prefere USDT ao peso argentino, a doméstica que envia Circle para a irmã nas Filipinas, o vendedor de feira que guarda os lucros no celular para não perdê-los até o fim do mês — todos estão dizendo a mesma coisa, numa linguagem que os formuladores de políticas fingem não entender: “nós desistimos da moeda nacional”.
“Money is a social technology.”
Christine Desan
É claro que há riscos. Essas moedas são emitidas por empresas privadas, nem sempre auditadas com transparência. A confiança nelas é volátil, baseada em promessas de paridade e em carteiras digitais nem sempre seguras. Mas, para quem está excluído do sistema bancário formal ou traumatizado por décadas de desvalorização cambial, os riscos do sistema tradicional são maiores. A pergunta que essas pessoas se fazem não é “isso é dinheiro de verdade?” — é “isso ainda vale amanhã?”
Na outra ponta do mundo, reguladores americanos e europeus ensaiam legislações cautelosas, discutem backstops e reservas obrigatórias, enquanto milhões seguem transacionando em stablecoins como se fossem dólares de bolso. Em vez de tentar entender essa lógica emergente, tratam-na como exceção, como se fosse possível domesticar uma revolta que nasceu fora dos parlamentos.
A verdade é que as stablecoins não são o futuro da moeda. São o presente da exclusão. Enquanto não houver sistemas bancários inclusivos, moedas estáveis e políticas públicas sensíveis à realidade de quem vive com menos de cinco dólares por dia, essas criptomoedas continuarão sendo o “plano B” mais usado no mundo. A tecnologia não substitui a política — mas, quando esta falha, a tecnologia vira pão.

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