A cidade vira fundo de ecrã. O comércio, ruína com letreiro. O habitante, figurante no seu próprio bairro. Queremos ser destino ou vitrine?
Há um espanto inicial. Como é possível tanta gente, e tão pouco impacto? Como um fluxo tão visível gera uma economia tão invisível? Mas o problema não está na quantidade de turistas — está na ausência de política. Cidades sem gestão turística não recebem visitantes: são engolidas por eles.
O fenómeno não é português. Veneza impôs uma taxa de entrada. Barcelona congelou licenças de alojamento local. Amesterdão baniu grupos de visitação na zona do Red Light. Quioto proibiu fotografias em ruas tradicionais. Todas essas cidades têm algo em comum: descobriram que o turismo desregulado é um cancro que começa pelo encantamento.
E onde há espanto, há também esperança. Algumas cidades reverteram o ciclo. Bolonha criou o programa “Vivere la città”: visitantes ganham descontos se usarem comércio local. Bilbau ligou turismo a cultura viva — não apenas museus, mas oficinas, mercados, residências. Medellín aposta no “turismo social”: guias formados em bairros populares, distribuição real de renda e cultura.
“O mundo está cheio de viajantes que não saem de si mesmos.”
Manuel Vieira Fernandes
Não se trata de afastar o visitante. Trata-se de reeducar a visita. O bom turismo é o que aprende o idioma, compra no mercadinho, respeita o silêncio dos pátios, paga o imposto sem reclamar. É o que se senta num banco e pergunta o nome da praça. É o que percebe que está a entrar em casa alheia — e age com gentileza.
Toda cidade tem o turismo que aceita. Algumas escolhem ser destino. Outras viram vitrine. A diferença está no pacto: entre quem chega e quem fica. Entre quem olha e quem é olhado. O que está em jogo não é o dinheiro — é o tipo de relação que aceitamos ter com o mundo. Se a rua está cheia, mas ninguém compra pão, talvez não estejamos a acolher turistas. Talvez estejamos a perder a cidade.
Há um novo tipo de ocupação nas cidades históricas: a que chega com aplauso, mas parte sem deixar pegadas. Os centros antigos estão cheios. Mas olhe para as mãos — não há sacos. O turismo moderno virou espetáculo de presença: celulares levantados, passos fotografados, memórias digitais e zero transação real.

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