Porque a Cultura está fora do debate Político em Portugal

Depois de todos os políticos falarem a síntese chega fácil: a cultura não lhes interessa. Seis ideias erradas e uma imperativa necessidade.


A marginalização da cultura no debate político em Portugal é um paradoxo que não pode ser ignorado. Identifico seis razões para este esquecimento, que, sob qualquer análise crítica, se revelam ilógicas perante a imperativa necessidade de colocar a cultura no centro da agenda política.

1. Subestimação do valor económico da cultura 

A tendência de subestimar o impacto econômico da cultura é uma falha grave. Contrariando essa percepção, estudos, como o realizado pelo Itaú Cultural no Brasil, demonstram que a cultura contribui significativamente para o PIB, representando 3.11% no caso brasileiro. Portugal, com sua limitação de recursos naturais e espaço territorial, não pode se dar ao luxo de ignorar tal potencial econômico.

2. Os setores tradicionais são visão de curto prazo

Portugal, como muitas nações, enfrenta o desafio constante de equilibrar as necessidades imediatas com os investimentos de longo prazo. Neste cenário, setores como finanças, infraestrutura e indústria frequentemente recebem a maior parte dos investimentos e atenção política, sob a premissa de que são os motores imediatos da economia. Esta visão, embora compreensível, é redutora e ignora o potencial transformador da cultura.

3. Falta de Representação Política

Não há ninguém da cultura da política e vice versa. A ausência de uma voz forte que represente a cultura nos círculos políticos é uma lacuna evidente. Sem defensores influentes, a cultura permanece à margem das decisões estratégicas, um descuido que mina o nosso desenvolvimento cultural e econômico. Releva também que a esmagadora maioria dos agentes culturais, absolutamente dependentes do financiamento que vem do estado, temem envolver-se na política

4. Percepção de Luxo

A percepção da cultura como um luxo é uma das maiores barreiras à sua valorização no debate político em Portugal. Esta visão restritiva não só prejudica o setor cultural, mas também limita o potencial de desenvolvimento do país. É imperativo reconhecer a cultura como uma necessidade fundamental, investindo nela como pilar de desenvolvimento social, económico e humano. A cultura é um direito, um recurso e, acima de tudo, uma necessidade imprescindível para o progresso e bem-estar de Portugal.

5. Falta de Consciência Sobre o Impacto Social

A subestimação do impacto social da cultura reflete uma visão limitada e prejudicial, que não só compromete o desenvolvimento cultural do país, mas também ignora o potencial da cultura como ferramenta para enfrentar desafios sociais contemporâneos. Reconhecer e valorizar a cultura como um pilar central da política portuguesa é reconhecer o seu poder de transformar sociedades, promover a coesão social e enriquecer a vida de cada cidadão. A cultura é, sem dúvida, uma necessidade imperativa para o bem-estar e progresso de Portugal.

6. Cultura como Pilar de Integração e Atração

Portugal tem visto um aumento significativo na imigração nos últimos anos, movimento impulsionado pela busca de qualidade de vida, segurança e, não menos importante, pela riqueza cultural do país. A cultura portuguesa, com sua história, tradição, gastronomia e paisagens, é um dos principais atrativos para os imigrantes. Contudo, para que este modelo de desenvolvimento baseado na migração seja bem-sucedido, é crucial que a cultura seja também um veículo de integração.

Uma imperativa necessidade


Nenhuma destas razões resiste a uma análise fundamentada, especialmente quando consideramos o exemplo de outros paises, nomeadamente o Brasil, onde, apesar de muitas as assimetrias, a cultura se afirma como um setor vital da economia.. Em Portugal, a integração da cultura nas políticas de desenvolvimento nacional não é apenas desejável, é uma necessidade urgente.

Avaliar o valor da cultura e das artes, tanto em termos econômicos quanto sociais, apresenta desafios significativos. A falta de indicadores claros e mensuráveis leva a uma subestimação de sua importância e contribuição para o desenvolvimento social e econômico, relegando-a a uma posição de menor prioridade nos debates políticos. É preciso que os agentes culturais e políticos percebam a urgência dessa análise para entender que a culturaé também um bom argumento político.

O esquecimento da cultura na política é uma escolha ilógica que compromete o nosso futuro coletivo. Como nação, devemos reconhecer a cultura como um pilar fundamental, não só para a nossa identidade e coesão social, mas como motor de desenvolvimento econômico e inovação. É tempo de inverter esta tendência, valorizando a cultura no cerne da política e do debate público. O sucesso de Portugal no século XXI dependerá, em grande medida, desta capacidade de reconhecer e investir na sua riqueza cultural.


Comentários

4 comentários a “Porque a Cultura está fora do debate Político em Portugal”

  1. Avatar de Pedro Karst Guimarães
    Pedro Karst Guimarães

    O valor da cultura nestes números está incrivelmente desprezado. Cultura é Turismo, Vinho, Paisagem, Cidades, Futebol, Indústria, Comércio, e ainda formas de organização social, burocrática, produtividade, exército, etc…
    Cultura é tudo, é a indispensável identidade, ou um País não é nada.

    1. A cultura, longe de ser um luxo ou um adorno, é um motor de desenvolvimento sustentável. Ela impulsiona o turismo, enriquece o comércio, estimula a inovação na indústria, e promove a coesão social através de expressões como o futebol e as artes. Ignorar a cultura em debates políticos é negligenciar um setor que é fundamental não só para a economia, mas para o bem-estar social e a projeção internacional de Portugal.Reconhecer a cultura como pilar de desenvolvimento implica em integrá-la nas políticas de educação, urbanismo, turismo, e economia, entre outras. Isso exige um esforço coordenado para que a cultura seja percebida não como uma despesa, mas como um investimento com retornos significativos para a sociedade.Além disso, é necessário criar mecanismos de financiamento e incentivos que estimulem a produção cultural e sua difusão, tanto internamente quanto para o exterior. Políticas públicas que fomentem a cultura local, preservem o patrimônio histórico e promovam a inovação artística podem transformar o cenário cultural português em um exemplo de como a cultura pode ser integrada ao desenvolvimento sustentável.

  2. Parabéns pela lucidez acessível da análise. As manifestações da Cultura, especialmente dentro do espectro da “Economia/Indústria Criativa” quase sempre observa o prisma da contestação e da inovação – do novo – como perspectiva. Nem sempre este é o lado que o discurso atual da política partidária tem interesse que seja realçado.

    1. Agradeço pelo elogio e pela oportunidade de discutir um tema tão rico e complexo. De fato, a cultura, sob a ótica da “Economia/Indústria Criativa”, é um campo fértil para a contestação e a inovação. Esta perspectiva se funda na ideia de que a criatividade humana é uma fonte inesgotável de valor econômico e social. No entanto, é preciso considerar que o discurso político partidário muitas vezes busca instrumentalizar a cultura de maneiras que favoreçam agendas específicas, o que pode, em certos contextos, limitar ou mesmo sufocar esse potencial criativo.

      A indústria criativa, que engloba setores como as artes visuais, o cinema, a música, o design, a literatura, entre outros, é essencialmente movida pela inovação e pela capacidade de reinvenção constante. Essa dinâmica se opõe à natureza muitas vezes conservadora da política partidária, que tende a preservar o status quo ou promover retrocessos culturais e sociais em nome de interesses específicos. O conflito entre essas duas forças – a criatividade inerente à cultura e a conservação promovida pela política partidária – é uma fonte de tensão que tem implicações profundas para a sociedade.

      É crucial reconhecer que a cultura, enquanto expressão da diversidade humana e fonte de inovação, tem o potencial de questionar, criticar e transformar a realidade social e política. Quando a política partidária tenta cooptar ou restringir a expressão cultural, ela não apenas limita esse potencial transformador, mas também empobrece o debate público e a evolução da sociedade. Por outro lado, uma política que entende e valoriza a cultura como motor de desenvolvimento sustentável e inclusivo pode abrir caminhos para uma sociedade mais justa, diversa e inovadora.

      A economia criativa oferece uma perspectiva de desenvolvimento que transcende o material, promovendo a valorização do capital humano, da diversidade cultural e da sustentabilidade. Neste sentido, as políticas públicas devem ser desenhadas para nutrir e proteger o ecossistema criativo, garantindo que os criadores tenham espaço para inovar e que suas contribuições sejam reconhecidas e valorizadas. Isso implica em desafios como a proteção dos direitos autorais, o fomento à diversidade cultural, o apoio à formação e à capacitação profissional, e a criação de mercados para a produção criativa.

      Mais, enquanto a cultura e a economia criativa são espaços de inovação e contestação, a política partidária muitas vezes se posiciona de forma antagônica a estes campos. É fundamental que haja um reconhecimento da importância estratégica da cultura para o desenvolvimento social e econômico, o que requer um diálogo construtivo entre criadores, comunidade e governantes. Somente assim poderemos assegurar que o potencial transformador da cultura seja plenamente realizado.

      Tenho a certeza que vamos falar sobre isso no dia 8.

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