Sem sangue puro, com orgulho

“Nenhum português tem sangue puro.” As palavras de Lídia Jorge, ditas no 10 de Junho deste ano, têm a força das verdades simples: limpam o olhar.

Portugal não é homogéneo, nunca foi. É mestiço, marinho, caminheiro — e é nessa condição mestiça que reside o seu valor mais duradouro. Lídia não fala em nome de partidos nem de ideologias, mas em nome da memória e da decência.

É particularmente relevante lembrar isso agora, quando arremedos de xenofobia reaparecem — mais nas redes e nos títulos de jornal do que nas praças e bairros do país, é certo, mas com estridência suficiente para alarmar.

A verdade é que Portugal sempre foi terra de partida. Fomos — e ainda somos — um povo que emigra, que procura vida melhor fora de casa. E agora que, por acaso da História e da Europa, passamos a ser também país de chegada, seria mesquinho tentar vestir o traje que nunca nos serviu: o da superioridade identitária.

Não há pureza na nossa origem — e ainda bem. A nossa história é a do cruzamento. A nossa língua nasceu na mistura. A nossa cultura floresceu no convívio. E a nossa vantagem competitiva, que alguma temos, está precisamente aí: saber acolher, saber integrar, saber transformar o estranho em familiar. É isso que nos distingue. É isso que nos honra. E é isso que nos permitirá continuar a ser — sem raça pura, mas com orgulho — Portugal.

Numa época em que tantos jovens autores se perdem entre algoritmos e vaidades, Lídia Jorge mostrou que o papel do escritor é ser sentinela — não de um passado idealizado, mas de um futuro mais justo.

A tua fala não foi uma lição de patriotismo: foi uma lição de lucidez. E é nisso que reside a grandeza dos que escrevem com verdade — eles não explicam o mundo, eles exigem que ele seja melhor.

Jornal de Notícias. | 12.jun.2025

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