Três Rostos Por Um

Dois rostos esperavam o homem. Um, jovem e ávido, era o rosto do agora, que via o mundo como uma promessa sempre nova. O outro, mais velho e cheio de marcas, era o rosto do antes, carregado pelas sombras do que já fora. Ambos conviviam no mesmo corpo, mas cada um olhava o tempo à sua maneira: um, correndo para o que viria; o outro, tropeçando nas memórias.

(uma memória é apenas aquilo que esperamos encontrar).

Entre eles havia um silêncio. Era como se um acusasse o outro de não ser suficiente. O agora desprezava o antes, julgando-o lento e saudosista. O antes, por sua vez, zombava do agora, achando-o ingênuo, incapaz de perceber que o tempo só faz sentido quando o passado o sustenta. Mas, no fundo, ambos estavam presos ao mesmo paradoxo: eram rostos que não podiam existir sem o outro.

(talvez um dia eles saibam que são só um).

Foi então que nasceu o terceiro olhar. Não era um rosto, mas uma presença, algo que o homem não sabia nomear. Esse olhar pairava acima dos dois, observando-os, como quem assiste ao desenrolar de uma peça. Não era apressado como o presente nem melancólico como o passado. Era o olhar que repara — aquele que enxerga o tempo estendido, onde o ontem, o hoje e o amanhã se dobram uns sobre os outros.

(preciso anotar isso antes que escape do pensamento).

Esse terceiro olhar o fazia parar. Diante de um sorriso, ele não via apenas a alegria fugaz do agora nem as lembranças que o sorriso trazia. Ele via algo mais: o tempo que o sorriso criava, um tempo próprio, onde o instante se expandia e carregava dentro de si a eternidade.

(e se eu conseguir escrever um poema sobre isso?).

Era como se o terceiro olhar fosse uma metáfora viva para a poesia. Pois a poesia, assim como o tempo estendido, não se limita ao momento que descreve. Ela abraça o antes e o depois, costurando todos os fragmentos em algo único. O homem começou a perceber que seu terceiro olhar não era algo que ele possuía. Era algo que o possuía, algo que lhe dizia para reparar, para olhar além do óbvio.

(é o olhar que repara que faz o tempo existir).

E, então, ele começou a entender. Não mais dividido entre os rostos do antes e do agora, mas conduzido pelo olhar que costurava o tempo. Ele viveu como quem repara — como quem vê o tempo em sua forma mais verdadeira: não um rio que corre, mas um oceano que se expande.

(tudo está aqui, tudo já esteve aqui. Basta saber olhar).

Fotos por Angélica Ferrarez


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