O que Trump pretende não parece ser um segundo mandato normal — mas sim uma revanche contra os limites. Debaixo da fachada institucional, ergue-se um projeto pessoal de poder, em que a lei é tratada como um obstáculo à sua vontade.
A democracia americana sempre teve o seu maior inimigo dentro de casa. Donald Trump não precisou vencer com armas; bastou-lhe transformar o exercício do poder numa série de ataques coordenados à ordem constitucional. O segundo mandato do ex-presidente, como escreve o El País, revela-se uma cruzada autoritária: desafia juízes, desprezao velho truque do populismo: transferir o poder não às massas, mas a si mesmo, em nome delas.
A legitimação vem pelo ressentimento, pelo cansaço institucional e pelo medo. o Congresso e governa por decreto. Tudo isso embalado pela retórica de um caudilho moderno com acesso direto à emoção popular e ao algoritmo.
Isto não é uma guerra contra adversários políticos isto é um ataque à democracia
James Sample
A lista de gestos é longa e inquietante. Ignorar ordens judiciais, acelerar deportações ilegais, ameaçar impeachment contra juízes que o contrariam, manipular o Departamento de Justiça, apoiar-se em bilionários como Elon Musk para forjar uma nova elite político-empresarial leal — tudo isso é parte de uma estratégia deliberada. Como afirma Fernando Vallespín, trata-se de uma “manobra antidemocrática de compêndio”: Trump atua para enfraquecer os pilares de controle republicano e reinstaurar um Executivo absolutista, sem freios nem contrapesos.
No entanto, há quem veja nessa ofensiva apenas a continuidade de uma luta cultural. Os aliados de Trump sustentam que o presidente apenas corrige os “excessos progressistas” do establishment e devolve o poder “ao povo”. É o velho truque do populismo: transferir o poder não às massas, mas a si mesmo, em nome delas. A legitimação vem pelo ressentimento, pelo cansaço institucional e pelo medo.
O velho truque do populismo: transferir o poder não às massas, mas a si mesmo, em nome delas. A legitimação vem pelo ressentimento, pelo cansaço institucional e pelo medo.
Mas não se trata de esquerda ou direita. Trata-se de civilização. O que está em jogo é o contrato democrático moderno, baseado na divisão e limitação do poder. O que Trump propõe é uma mutação do presidencialismo em regime personalista.
E o mais preocupante: tudo isso dentro da aparência da legalidade. É por isso que esta crise não se resolverá apenas nas urnas. Ela exigirá algo mais profundo: uma refundação moral do pacto democrático americano — antes que a Constituição vire apenas um papel decorativo, suspenso num quadro, atrás de um punho erguido.


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