Lançamos três questões iniciais.
Por que a humanidade continua a lutar, mesmo quando deseja a paz?
Como o mesmo ideal que une em busca de harmonia também serve como combustível para novos conflitos?
A esperança na paz aproxima-nos do fim das guerras ou nos mantém presos em um ciclo perpétuo de violência?
A guerra, em sua brutalidade, parece opor-se à paz. No entanto, ao longo da história, ela tem sido um dos principais motores do desejo de paz. A humanidade, ao confrontar a destruição, muitas vezes encontra nesse caos a motivação para buscar um novo começo e tentar viver em paz. É como se, ao tocar o fundo do desespero, despertássemos para a necessidade de construir um futuro diferente.
Kant, em “À Paz Perpétua”, argumentava que a paz só pode ser alcançada por meio de compromissos éticos e políticos, no entanto, a história mostra que esses compromissos muitas vezes só emergem após uma guerra, como se precisassemos ser lembrados, pela dor e sofrimento, da importância da paz.
Ou na retórica de Clausewitz, onde “A guerra, sendo a continuação da política por outros meios”, nos leva a refletir sobre como a guerra pode ser vista como uma ferramenta usada para alcançar objetivos que a política sozinha não consegue. A paz, nesse contexto, torna-se apenas uma pausa estratégica, uma trégua momentânea que, longe de encerrar os conflitos, prepara o terreno para novas disputas.
Nesse ciclo, a esperança na paz pode se tornar uma espada de dois gumes. Por um lado, inspira a superar diferenças e buscar entendimento; por outro, pode criar uma falsa sensação de segurança, levando-nos a baixar a guarda e ignorar as realidades políticas e sociais que perpetuam os conflitos.
O historiador britânico Edward Gibbon, em “Declínio e Queda do Império Romano”, observa que a paz muitas vezes enfraquece a vigilância de um império, deixando-o vulnerável a novas ameaças. A guerra será um argumentario necessário?
A esperança na paz também pode ser manipulada por aqueles no poder. Em tempos de guerra, líderes frequentemente utilizam o ideal de paz para justificar a continuidade dos combates, prometendo que a próxima batalha será a última, a que trará finalmente a tranquilidade.
Orwell, em “1984”, explora essa ideia ao descrever um estado de “guerra perpétua”, onde o conflito contínuo é usado para manter a sociedade sob controle, com a paz sempre aparecendo como uma promessa nunca cumprida.
No arquétipo teórico precisamos invocar também Reinhold Niebuhr, teólogo e filósofo político, e seu argumento em que a esperança na paz, quando desvinculada de uma compreensão realista das dinâmicas de poder, pode ser ingênua e perigosa. Ele sugere que, enquanto os indivíduos podem ser movidos por ideais morais, as nações e os estados são governados por interesses que frequentemente entram em conflito, levando à guerra.
A esperança na paz, ao mesmo tempo que é uma força poderosa, carrega consigo o potencial de perpetuar a guerra. É como um farol que ilumina o caminho, mas que também cega para os obstáculos à frente. Ao buscar a paz com tanto fervor, podemos inadvertidamente ignorar as causas profundas dos conflitos, criando assim um ciclo interminável de guerra e reconciliação.
À contráriu senso, se a guerra é justificada como um meio para alcançar a paz, então a paz pode ser vista como a continuação da guerra por outros meios. A esperança na paz, ao invés de ser o fim absoluto dos conflitos, torna-se o preâmbulo de novas lutas. Ao reconhecer essa dialética, podemos começar a romper com esse ciclo, não apenas buscando a paz como uma mera ausência de guerra, mas como uma transformação das condições que levam ao conflito. A verdadeira paz, então, não é apenas o intervalo entre as guerras, mas uma reestruturação das relações humanas, onde a esperança não alimenta a guerra, mas a supera.
Gostei de voltar a ler
- KANT, Immanuel. *À Paz Perpétua*. 1795.
- CLAUSEWITZ, Carl von. *Da Guerra*. 1832.
- GIBBON, Edward. *Declínio e Queda do Império Romano*. 1776-1788.
- ORWELL, George. *1984*. 1949.
- NIEBUHR, Reinhold. *Moral Man and Immoral Society*. 1932.
- SARTRE, Jean-Paul. *O Existencialismo é um Humanismo*. 1946.
Poema da foto de capa
Cardoso, Aline. Harpia. Triluna Editora, 2020
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