Conclave

 

Poucos filmes ousam dramatizar o invisível.
Conclave não apenas ousa — ele desvela. Com a precisão de uma lâmina simbólica, revela o que raramente temos coragem de encarar: o momento em que a fé precisa decidir entre o silêncio e a verdade.

Poucos filmes se permitem o risco de dramatizar o coração invisível da Igreja Católica. Menos ainda o fazem com a intensidade e a precisão simbólica de Conclave, longa-metragem recentemente estreada e candidata aos Óscares, que, mesmo partindo da ficção — nos dá a ver,  e a sentir — o que raramente ousamos pensar: o que significa, de verdade, escolher um Papa.

O filme é uma parábola moderna, de uma beleza austera, quase cruel. Não pela sua estética, mas pelo modo como escava as contradições internas do catolicismo contemporâneo — entre tradição e transparência, entre dogma e humanidade, entre espiritualidade e poder. 

O personagem central, inspirado em um cardeal fictício chamado Lomeli, vive o dilema de ser fiel à verdade ou obedecer à instituição. E este é, talvez, o dilema do nosso tempo: quando o mundo exige clareza, a Igreja continua a falar em silêncio.

Conclave é, antes de tudo, um espelho da angústia atual. A sucessão papal — iminente com a morte recente do Papa — é um acontecimento político, espiritual e civilizacional. Quem sucederá o Papa que colocou os pobres no centro da mesa, mas que muitos viram como tímido diante dos autoritarismos? Quem guiará a Igreja num tempo em que a fé compete com algoritmos?

A ficção do filme — com suas intrigas e revelações íntimas — não visa atacar o Vaticano, mas iluminar suas sombras. Ali onde a fé deveria ser pura, existe cálculo. Ali onde deveria haver reconciliação, há divisão. E isso não é apenas da Igreja: é do mundo.

Num momento em que a Igreja se vê obrigada a reencontrar a sua voz, Conclave oferece uma narrativa que, ainda que ficcional, ressoa com o real. Porque escolher um Papa é escolher uma direção para milhões — e talvez seja também escolher que mundo queremos habitar.

Jornal de Notícias | 24.abr.2025

Comentários

2 comentários a “Conclave”

  1. Avatar de Fernanda Albuquerque
    Fernanda Albuquerque

    Texto excelente.
    Tive a percepção que o personagem principal, tinha também um dilema pessoal, no fundo também era ambicioso e queria o papado.
    Só nos resta ter fé, que o nosso amado Francisco tenha direcionado sua sucessão no colegiado de cardeais para não termos um retrocesso no catolicismo.

  2. […] as estruturas petrificadas  baseadas na hegemonia italiana de antigamente, estão extintas.Esta nomeação é uma vitória inequívoca dos mais progressistas dentro do Vaticano. A decisão de olhar para o Ocidente, para a América multicultural e em constante mudança, é um […]

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