Dan Vanderkam passou quase 20 anos em busca de algo que ninguém pediu.
Dedicou 23 mil horas de processamento computacional para descobrir o tabuleiro ideal do jogo Boggle — aquele que contém mais de mil palavras possíveis, sendo replastering a mais longa entre elas. O feito poderia habitar apenas os rodapés da internet, não fosse por um detalhe: o termo final encontrado. Replastering. Em português, algo como rebocar. Ou ainda: refazer. Reconstruir.
No fundo, é disso que trata essa história tão improvável quanto reveladora. Um engenheiro de software, sozinho, vasculha todas as combinações possíveis de 16 letras em um jogo de infância e, ao fim, encontra uma palavra que sugere precisamente o que ele fez com a linguagem — e o que fazemos, todos os dias, com o mundo: remendá-lo.
O detalhe importa. Porque replastering não é uma palavra épica, heroica, gloriosa. É uma palavra de ofício. De continuidade. De quem não demole, mas conserta. E talvez por isso ela ressoe tanto com o nosso tempo: um tempo que tenta tapar rachaduras com inteligência artificial, que coleciona dados como se fossem tijolos, mas que raramente encontra sentido na arquitetura invisível das coisas.
A epopeia solitária de Vanderkam expõe algo essencial: o ser humano ainda é, antes de tudo, um organizador de caos. Num mundo que se move por velocidade e distração, há quem dedique duas décadas a resolver um jogo cuja única recompensa é a beleza da ordem — e a delicadeza da palavra certa.
Replastering. Não há troféu, nem conferência, nem capital de risco. Mas há algo maior: o prazer de quem consegue olhar para uma confusão de letras e enxergar, ali, a possibilidade de reconstrução.
Talvez o mundo precise exatamente disso: menos soluções mágicas e mais artesãos do sentido.
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