O problema nunca foi o valor oferecido. Foi a ideia de que tudo — até a liberdade de escolha — tem um preço. Há uma linha que separa acordos comerciais de tentativas de comprar o próprio sistema de freios e contrapesos que sustenta uma democracia funcional. Cruzar essa linha não é apenas ousadia corporativa. É ameaça civilizatória.
A concentração de poder tecnológico nas mãos de poucos não é uma distopia de ficção científica: é o cotidiano. De algoritmos que moldam comportamentos a plataformas que mediam a vida pública, estamos diante de entidades que não apenas operam no mercado — elas o definem. Mas o mercado, para continuar existindo, precisa de regras. E quando quem lucra com o jogo começa a ditar as regras, o resultado já não é livre concorrência — é feudalismo digital.
Não se trata de punir o sucesso. Trata-se de impedir que o sucesso se torne pretexto para anular os outros. A inovação não deve ser sacrificada em nome da regulação, mas tampouco pode servir de escudo para práticas predatórias. Quando se permite que empresas comprem seus concorrentes apenas para neutralizá-los, o que se destrói não é só a diversidade empresarial. É a possibilidade do novo.
Por isso, é tão importante que instituições públicas sejam capazes de resistir à sedução das soluções fáceis e dos cheques volumosos. A credibilidade das democracias depende, cada vez mais, da sua capacidade de dizer “não” onde o dinheiro diz “sim”. Não se trata de moralismo. Trata-se de soberania.
No final das contas, tudo isso pode ser resumido em uma cena improvável: um executivo tentando encurtar o caminho da justiça com uma proposta “generosa”, e uma autoridade pública respondendo, com firmeza e ironia,
Em tempos de desinformação, manipulação de comportamento e erosão da confiança pública, aceitar um acordo sem transformação seria legitimar o poder absoluto das plataformas. Lina Khan entendeu isso. E, ao dizer “não” ao dinheiro de Zuckerberg, disse “sim” ao futuro da democracia.
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