Quando quando a Avó Raymunda atravessa mais de um século sem perder a ternura, ela não é apenas memória viva: é lição de futuro.
O Brasil, país jovem que envelhece rápido, tem diante de si a missão de aprender com suas Vós Raymundas — não para admirar de longe, mas para transformar em política pública a sabedoria de viver muito e viver bem.
A história de Vó Raymunda, que nasceu em 1911 e atravessou o século assistindo ao colapso de impérios, ao avanço da ciência e à chegada da internet, mostra que a biografia de uma única pessoa pode conter a narrativa de todo um país. Em seus 114 anos, ela viu guerras e recessões, ditaduras e democracias, mas sobretudo viu a persistência da vida comum: a panela no fogo, o cuidado com os filhos, o trabalho invisível que sustenta famílias inteiras.
“A idade não é limite para quem deseja continuar vivendo.”
Vó Raymunda
É essa dimensão da vida cotidiana, tantas vezes desvalorizada, que emerge como uma das maiores forças civilizatórias. Dona Raymunda, entre a lida das ruas de Belo Horizonte e a fé que carregou em devoção à Nossa Senhora Aparecida, soube erguer um legado de resiliência. O Brasil urbano, industrial e depois digital passou diante de seus olhos — e ainda assim, a sua narrativa permanece ancorada nos gestos simples: rezar, trabalhar, cuidar, contar histórias. Não há nada mais político que a permanência de uma mulher negra, centenária, que enfrentou desigualdades estruturais e ainda assim sustenta sua família como referência de dignidade.
Os que defendem a lógica da produtividade como medida da existência poderiam questionar: o que significa viver tanto tempo em um país que não cuida de seus idosos? Mas a resposta está na própria Raymunda: a velhice não é peso, é patrimônio. O mundo olha para a longevidade como exceção, quando deveria vê-la como conquista coletiva.
A ciência corre atrás de novos fármacos para prolongar a vida, mas o exemplo de Vó Raymunda revela que o segredo está em outra parte: vínculos afetivos, fé, alimentação simples, redes de cuidado comunitário.
A antítese aparece nos números frios. O Brasil envelhece rapidamente, mas não oferece condições dignas para seus mais velhos. Falta saúde pública estruturada, moradia adequada, programas de convivência.
Se todos os idosos tivessem a chance de viver com a mesma alegria que Raymunda transmite em suas fotos, o país seria mais justo. Mas a realidade é que muitos são abandonados, tratados como descartáveis por um modelo social que idolatra a juventude e a velocidade.
É por isso que a vida de Vó Raymunda precisa ser vista como manifesto. Ela não é apenas uma centenária em Minas Gerais, mas um espelho de possibilidades. Sua longevidade não deve ser celebrada apenas como curiosidade estatística, mas como prova de que a vida tem valor enquanto pulsa — em qualquer idade.

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