Em Portugal, há recém-nascidos que permanecem nos hospitais não por razões médicas, mas porque as suas mães não têm para onde os levar.
“Não há maior pobreza do que não ter casa onde se possa chorar.”
António Fernandes
A manchete passou entre outras como quem se esconde para não incomodar: “Mais bebés retidos em maternidades por falta de casa”. Um título curto, cortante. Atrás dele, um mundo inteiro. Ana Paula Santos, mãe recente, só pôde deixar a maternidade com o filho ao colo depois de lhe garantirem um quarto de pensão onde já vivia com três filhas. Outras mães, nem isso: ficam, ou melhor, ficam os filhos, retidos em berços de hospital, suspensos entre a vida que começou e a que não lhes permite começar.
A fotografia, que parece saída de uma instalação de arte urbana — mosaico no fundo, carrinho de bebé no canto, abraços apertados — diz tudo sem dizer nada. É Lisboa, é 2024. A cidade que se promove como capital da inovação, do turismo sustentável, da literatura e da luz. Mas onde faltam portas abertas para quem mais precisa. As maternidades tornaram-se os novos limbos da exclusão: lugares onde a vida é celebrada ao mesmo tempo que é negada.
Em dois anos, quadruplicou o número de bebés sem alta hospitalar por falta de habitação. Quadruplicou. Dito de outra forma: o país multiplicou a vergonha de não conseguir acolher quem acabou de nascer. E é nisto que falha o nosso discurso civilizacional. Não basta prometer milhões para a habitação, nem citar planos com siglas pomposas. É preciso garantir que nenhuma criança fique sem lar no seu primeiro dia de mundo.
Nenhuma maternidade devia funcionar como abrigo improvisado. Nenhum choro de recém-nascido devia ecoar entre paredes de urgência social. Mas acontece. E como em tudo o que se repete, o perigo é deixarmos de nos comover.
Porque quando um país deixa os seus bebés presos a hospitais por não ter casas disponíveis, o problema já não é só habitacional. É civilizacional.

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