Todas mulheres

Quando seis mulheres disputam um cargo até agora monopolizado por homens, o que se move não é apenas a máquina partidária, mas um fio longo da história: o esforço repetido das mulheres para existir em pé de igualdade.

O Labour, que nasceu das lutas operárias, sempre se orgulhou de estar à frente em causas sociais. No entanto, demorou mais de um século para que uma notícia como esta fosse possível. Não se trata apenas de um gesto de reparação, mas de um reconhecimento tardio. É como se o partido dissesse: se as mulheres sempre sustentaram a base eleitoral, se sempre estiveram na linha de frente das greves, das mobilizações e do cuidado invisível, então chegou a hora de aparecerem no palco principal. Há algo de inevitável nisso, como um rio que finalmente encontra o mar.

“A história das mulheres é a história da própria resistência.”

Esse “eterno” da luta feminina reaparece em cada detalhe: na advogada que troca a toga pela militância, na professora que conhece por dentro as estatísticas do fracasso escolar, na filha de imigrantes que carrega a voz das periferias. A política, em sua face mais nobre, é feita dessas trajetórias que rompem barreiras silenciosas. O recorte não mostra apenas candidaturas, mas biografias atravessadas pela experiência de ser mulher em ambientes que lhes eram proibidos.

No entanto, a história também ensina que símbolos não bastam. O risco de uma lista exclusivamente feminina é ser celebrada como espetáculo, sem produzir mudança real. Quantas vezes a sociedade transformou a exceção em cortina de fumaça para manter intacto o essencial? A política britânica é fértil em exemplos de mulheres que, ao conquistar posições de poder, acabaram reproduzindo os mesmos mecanismos que antes as excluíam. O desafio é outro: não basta ocupar o lugar, é preciso reinventar a forma de estar nele.

A lista inteiramente feminina para a vice-liderança do Labour não é um acaso, é uma metáfora. Mais do que um detalhe circunstancial, revela como a política britânica carrega ainda a marca de séculos de exclusão e a tentativa sempre renovada de corrigir a desigualdade estrutural.

A antítese se impõe: há quem veja nesta lista um gesto de marketing partidário, uma tentativa de suavizar a imagem de um Labour que perdeu eleitorado popular e precisa sinalizar renovação. Ao concentrar candidaturas femininas, o partido talvez procure mais impacto midiático do que transformação estrutural. Afinal, colocar seis mulheres na disputa não garante que políticas de gênero, redistribuição ou justiça social avancem. O risco é que a disputa se esgote em personalidades, e não em projetos.

Ainda assim, há algo de imbatível na cena. Uma fila de mulheres dizendo que querem liderar um dos maiores partidos da Europa é, por si só, um corte na fotografia da história. Não resolve tudo, mas abre brechas. E as brechas são sempre o início da transformação. O eterno feminino na política não é a docilidade nem a representação simbólica: é a persistência. Uma persistência que, vez após vez, retorna para lembrar que sem as mulheres não há futuro democrático.

Financial Times | 10.set.2025


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