Uma cidade que se levanta com os pés no chão


Verticalizar não é pecado. Espraiar não é solução. Mas nenhum prédio se sustenta sem alicerce — e é isso que falta a São Paulo: um solo comum entre os que constroem, os que regulam e os que vivem.


Foi o Fernando Mattar, amigo e paulistano, que me chamou a atenção para a matéria da ilustríssima. Ela impacta diretamente o meu quotidiano que vive exatamente entre a cidadania e o desenvolvimento imobiliário.

De um lado, o artigo “Na selva de pedra” denuncia, com propriedade, a tragédia silenciosa de uma cidade que cresce sem adensar. Os prédios sobem, mas a densidade despenca. Os centros esvaziam, as periferias se alastram, e a promessa de inclusão se transforma em miragem de concreto. A crítica é legítima: não há política urbana eficaz se ela ignora a vida — a vida cotidiana, vizinha, compartilhada.


De outro, há uma verdade igualmente inescapável: o mercado imobiliário, quando bem direcionado, é uma alavanca poderosa de transformação urbana. Onde há metrô, asfalto e esgoto, faz mais sentido construir do que empurrar a cidade para zonas frágeis e distantes. Prédios não são inimigos. O abandono, sim.

É preciso exigir que cada novo prédio traga benefícios para quem já mora ali — não apenas para quem vai chegar.


A reconciliação possível está na ideia de “densidade inteligente”. Isso significa permitir a verticalização em áreas com infraestrutura consolidada, mas exigir contrapartidas claras e auditáveis: calçadas largas, comércio de rua, habitação social real — e não só na planta. Implica repensar o zoneamento para favorecer a mistura de usos, de classes e de tempos: apartamentos de 20, 60 e 100 metros quadrados no mesmo quarteirão; creches ao lado de cafés; árvores entre as garagens.

É também a hora de inverter a lógica dos incentivos: premiar quem integra, punir quem segrega. Tornar o EIV (Estudo de Impacto de Vizinhança) um instrumento público e popular, com voz real da comunidade. E, acima de tudo, exigir que cada novo prédio traga benefícios para quem já mora ali — não apenas para quem vai chegar.

Isso não é impossível. Não exige revolução. Exige inteligência, articulação e coragem política. Uma cidade viva é aquela onde se pode descer do elevador e encontrar um vizinho na calçada. Se os construtores entenderem isso como valor, os moradores entenderão isso como lar.


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