A fórmula do engano

As fake news não se escondem apenas em boatos mal contados —  elas também se travestem de fórmulas matemáticas para parecer ciência. Isso mesmo é o que acontece com a fórmula que Trump para explicar o tarifaço.

Num artigo do El País, Miguel Jiménez revela como a administração Trump manipulou dados e fórmulas para criar uma “verdade alternativa” sobre o comércio internacional.

Usando uma equação com aparência técnica, baseada apenas nas importações e no déficit bilateral dos Estados Unidos, o governo disfarçou uma política protecionista sob o manto da reciprocidade. A lógica? Se os EUA importam mais do que exportam, então é justo retaliar com tarifas equivalentes — ainda que isso ignore completamente o sistema complexo de trocas globais.

A fórmula, com seus símbolos e coeficientes, não é mentira em si, mas uma narrativa construída com o verniz da exatidão. Assim, até a matemática, ferramenta por excelência da objetividade, foi cooptada para legitimar uma versão distorcida da realidade.

“Não há mentira mais perigosa do que aquela que se sustenta sobre um cálculo preciso.”


Defensores da medida alegavam que se tratava de uma reparação justa diante da “exploração” comercial sofrida pelos EUA. Mas essa leitura simplista despreza fatores como cadeia de valor, elasticidade da demanda e até o papel das multinacionais americanas na intermediação do comércio global.

O que se apresenta como uma equação neutra é, na verdade, uma operação ideológica: usar o prestígio dos números para validar preconceitos políticos e econômicos. A fórmula vira instrumento de propaganda — e o número, cúmplice da mentira.

Em tempos de desinformação sofisticada, não basta desconfiar de frases inflamadas ou manchetes sensacionalistas. É preciso também olhar com ceticismo para as verdades que chegam embaladas em gráficos, tabelas e equações. Porque, quando a mentira se alfabetiza em matemática, ela ganha o poder de parecer ciência — e enganar até os mais atentos.

El País | 4.abr.2025


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