Reli esta noite num torpel As Cidades Invisíveis, do Italo Calvino. Senti-me atravessando um labirinto de espelhos, onde cada cidade refletia um pedaço de mim, uma memória antiga, uma saudade esquecida.
Há tanto de mágico no como Calvino esculpe as palavras, transformando descrições mundanas em metáforas vivas, pulsantes. É como se cada cidade invisível se revelasse não apenas no espaço, mas também no tempo — um tempo que habita dentro de nós, mesmo quando o negamos.
Percorrendo nomes exóticos, cenários oníricos, reconheci fragmentos de cidades que conheci um dia. Lisboa, com seus becos escondidos e miradouros que rasgam o horizonte e inventam viagens sem regresso. São Paulo, com suas avenidas infinitas que parecem não levar a lugar algum, acabam a todo instante, mas que, de alguma forma, sempre chegam. Coimbra, onde as pedras guardam segredos e invejas e as vozes escondem séculos de histórias pelas escadarias. E, de repente, percebo que as cidades invisíveis de Calvino são também aquelas que habitam a minha memória, aquelas que reconstruo a cada viagem, a cada retorno.
Há uma melancolia doce nas páginas de Calvino. Uma sensação de que as cidades, por mais sólidas que pareçam, são, na verdade, frágeis construções de sonho. Talvez seja por isso que, ao reler, fui tomado por um desejo de permanência, de agarrar os instantes antes que escorram pelos dedos. Mas Calvino ensina que a permanência só existe quando permitimos que o tempo passe, que as ruas mudem de cor, que os edifícios sejam outros, que os rostos se transformem.
Ao fechar o livro, senti-me leve, como quem visitou uma casa antiga que já foi sua e encontra os móveis no mesmo lugar, mas agora com a poeira do tempo cobrindo tudo.
É essa ausência de forma e vontade de pó que hoje dá sentido à minha existência, que transforma a minha cidade em memória, e todas as memórias, em eternidade.
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