O que está em jogo não é o preço do ouro, mas a independência do Federal Reserve diante do ataque de Trump — e com ela, a confiança na própria democracia americana.”
O ouro não sobe por magia. Sobe quando o medo vence a confiança, quando a política ameaça as regras do jogo e o futuro parece menos seguro do que o presente.
A previsão do Goldman Sachs de que o metal pode chegar a US$ 5.000 por onça se Donald Trump enfraquecer a independência do Federal Reserve não é apenas um cálculo financeiro: é o retrato de uma democracia em tensão. Mas o que essa notícia cala é ainda mais importante do que o que anuncia.
O silêncio está na naturalização do risco político como oportunidade de investimento. Em vez de debater as consequências da erosão institucional — inflação descontrolada, crédito encarecido, perda de poder de compra — o foco recai no destino do ouro, como se o bem-estar de milhões pudesse ser reduzido à cotação de um metal.
Há um descompasso gritante entre a manchete que excita os mercados e a realidade que sufoca os cidadãos. A democracia é tratada como variável de mercado, e não como fundamento da vida coletiva.
Quando a política se transforma em espetáculo, o preço é sempre pago na vida comum.
Outro silêncio é o da desigualdade. Quem pode transformar instabilidade em lucro? Certamente não o trabalhador que verá o preço da comida subir, nem a família endividada que pagará juros mais altos.
O ouro é o refúgio de quem já tem muito, nunca de quem mal sobrevive. A escalada do metal traduz-se em nova transferência de riqueza: da incerteza política para os cofres de fundos e bancos. Nesse sentido, a notícia celebra a astúcia dos investidores enquanto silencia o drama dos que nada têm a proteger.
Há também uma omissão histórica. A independência dos bancos centrais não é capricho tecnocrático; é a lição amarga de séculos de governos que manipularam a moeda para fins políticos, corroendo economias inteiras. Fragilizar o Fed não significa apenas interferir num comitê de economistas, mas colocar em risco o status do dólar como moeda de reserva global. Esse detalhe, decisivo para a arquitetura financeira mundial, aparece diluído na narrativa do mercado, como se fosse apenas pano de fundo para gráficos de preço.
É verdade que nenhum banco central é neutro: suas escolhas sempre têm implicações sociais e políticas. Mas a alternativa a instituições independentes não é mais democracia, e sim mais arbitrariedade. A politização radical do Fed pode abrir espaço para soluções de curto prazo, úteis a campanhas eleitorais, mas devastadoras para a estabilidade a longo prazo. Esse risco estrutural é quase invisível na notícia, substituído por uma linguagem que finge neutralidade econômica.
O ouro, afinal, não é apenas um metal brilhante: é um termômetro de confiança. Quando ele sobe demais, o que está em queda não é apenas o dólar, mas a fé na capacidade das instituições de resistirem à pressão. Ao falar de números e projeções, a notícia cala sobre o essencial: que por trás de cada onça de ouro valorizada está a erosão de um pacto social que deveria proteger todos, e não apenas os que têm recursos para se refugiar.
O silêncio dourado da crise não está no metal, mas no que escolhemos não ouvir: a fragilidade das democracias quando transformadas em espetáculo financeiro.

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